quinta-feira, 23 de abril de 2009

Direito Civil: DIREITO DE FAMÍLIA (noções gerais)

  1. Dicção constitucional:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituição oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Histórico. A idéia de família é um tanto complexa, uma vez que é variável no tempo e no espaço.t Tem raízes Greco-romanas. O pai de família era o senhor absoluto de sua família.

Não obstante com o passar dos séculos o poder patriarcal deixar de ser absoluto, ainda assim continuou sendo patriarcal, sob forte influencia da igreja cristã (herança do judaísmo pauliano e a ditadura religiosa).

Com as revoluções modernas e a inserção da mulher no trabalho, agregados a revolução sexual da mulher que pleiteia direitos de igualdade em idos de 1960, houve por influencia os doutrinadores modernos que lentamente adotam linha de entendimentos diversos daqueles conceitos ultrapassados.

A nossa CF de 1988 rompendo em parte com a tradição cristã, passou a admitir não apenas o casamento como forma de família, mas também a nossa contribuição como forma de família a união estável e o núcleo monoparental.

Neste ponto a CF e 1998 fez uma verdadeira revolução, pois até então a igreja era quem legitimava a família – característica dos países judaico-cristão-, segundo Guilherme de Oliveira (português), um dos maiores especialistas do direito de família.

O Estado antigamente sufocava a família, como por exemplo, não havia divórcio, reconhecimento de filho adulterino, etc. Somente em 1949 o filho adulterino passou a ter algum direito.

Há de se considerar que houve grande avanço na legislatura brasileira, com a introdução de leis protetivas ao concubinato puro e a união estável, acompenhado a linha da CF de 1988, bem como o disciplinamento da matéria no NCC, certo de que outras leis virão, em seu devido tempo, quanto ao caso em comento.


 

P: A nossa CF esgotou os arranjos de forma constitucional? R: Segundo o grande professor Avaro Villaça, Silvio Venosa, que tendem a ter uma linha mais literal do texto constitucional, ou seja, para esta parte da doutrina, apenas integra a família o casamento, a união estável e o núcleo monoparental, ou seja, fazem uma interpretação restritiva (linha moderada) – Este é o entendimento que ainda prevalece no Brasil, segundo a jurisprudência no STJ e STF.

Uma outra corrente doutrinária, mais moderna, como Luiz Edson Fachim, Maria Berenice Dias, Giselda Hironaka, têm uma posição mais ampliativa, tendem a afirmar que a CF não esgotou o direito de família com relação a arranjos familiares. O professor Paulo Lôbo afirma em uma de suas obras que o artigo 226 é uma norma geral inclusiva.

Significa que o art. 226 é uma clausula aberta. O art. 226 reconhece como família o casamento, a união estável, o núcleo parental, como também, por ser uma clausula aberta não nega outros arranjos familiares, a exemplo da controvertida união homoafetiva, o mesmo para a família fraterna (irmão mais velho que cria irmão mais novo), etc (este ultimo é aceito pela primeira doutrina,
reforçando ainda mais que a nossa constituição adotou um sistema aberto inclusivo e não discriminatório
).

Em um concurso público, deve se saber posicionar em relação a adoção da banca.

  1. CONCEITO DE DIREITO DE FAMÍLIA

Se trata de um conceito vago. Família é um ente despersonificado, base da sociedade cuja tessitura ou natureza é ditada pelo vinculo da afetividade, não cabendo ao Estado defini-la, mas sim promovê-la.

Até o início do século XIX, prevalência do casamento-aliança, entre grupos. O século XX continua priorizando a família legítima casamentária, mas já sob o influxo do individualismo (casamento por amor). No fim da primeira metade, a Igreja e o Estado começam a perder força como "instâncias legitimadoras", ganhando importância outras formas de união livre. Na década de 80 surgem as famílias de segundas e terceiras núpcias (famílias recombinadas) , convivendo com a união estável (GUILHERME DE OLIVEIRA – Prof. Catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra)Houve quem sustentasse que a família era dotada de personalidade jurídica, mas esta corrente, em nosso sentir, não foi a que prevaleceu.

OBS²: Nós precisamos, ao conceituar família, de que não cabe o Estado conceituar a família e sim, promovê-la. Devemos lembrar que o novo direito de família, lembra-nos Rodrigo da Cunha Pereira consagra, além da afetividade os princípios "da intervenção mínima do Estado" e da função social da família. O planejamento familiar não é obrigatório a exemplo da intervenção mínima. Além deste princípio, salta os olhos o princípio da função social.

Princípio da função Social. A função social da família, traduz a regra de base constitucional, caucada na dignidade humana, no sentido de reconhecer a família como uma ambiência de realização dos projetos pessoais de felicidade dos seus membros.

  1. CARACTERÍSTICAS MODERNAS DO CONCEITO DE FAMÍLIA

Segundo Maria Berenice Dias, existem três características:

  1. SÓCIOAFETIVA: a família é moldada pela afetividade. O que determina a família não é o direito é o afeto.


     

  2. EUDEMONISTA: Busca a promoção da felicidade dos seus membros – exerce função social.


     

  3. ANAPARENTAL: família pode ser formada inclusive, por pessoas que não guardam vinculo técnico de parentesco entre si. Ex: empregada que cria o filho do patrão desde criança, faz parte da família.


 

  1. CASAMENTO

Conceito. Na definição de Van Wetter, o casamento traduz a união do homem e da mulher com objetivo de formar uma comunidade de existência. É a primeira(mais conhecida) forma de entidade familiar. CC

Art. 1511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

Na definição segundo o CC é percebido a eficácia horizontal do direito de família (igualdade). Fundamentalmente temos duas formas de casamento.

  1. NATUREZA JURÍDICA

Este, sem dúvida, é um dos pontos mais tormentosos da matéria, digladiando-se a doutrina ao sabor das seguintes correntes:

a) PUBLICISTA – sustenta que o casamento é instituto jurídico de direito público (seria, nessa linha, um ato administrativo); sustentava que o casamento seria um ato administrativo. Embora seja regido por normas de ordem pública, não é um ato administrativo. Trata-se de uma corrente superada.

b) PRIVATISTA – sustenta que o casamento é instituto jurídico de direito privado, subdividindo-se nas seguintes correntes:

  • não-contratualista; Os não-contratualistas lançam mão de inúmeros e diferenciados argumentos para atacar a natureza contratual do casamento: seria um acordo, um negócio complexo (dada a participação do juiz), um ato-condição (Duguit), uma instituição (instituição significa um complexo de normas), etc. (Orlando Gomes, Direito de Família, Forense).


     

  • contratualista. Entendemos que o casamento, seguindo vertente do pensamento de BEVILAQUA, seria um "contrato especial de direito de família". Sustenta que o núcleo do casamento é o consentimento – núcleo de todo o contrato. Não se pode compará-lo com outras pessoas, mas o seu núcleo tem natureza contratual.

O professor recomenda, inclusive, para a horas de descanso, visando a relaxar a mente antes do concurso, a leitura da bela obra "O Contrato de Casamento", de Honoré de Balzac...olhe que título sugestivo!...

  1. PLANO DE EXISTÊNCIA DO CASAMENTO

O casamento para existir deve observar três pressupostos existenciais, segundo o autor Frances Zacharie:

-    CONSENTIMENTO (VONTADE). Não existe casamento sem que haja consentimento. É um ato seriíssimo. Não se pode brincar, a resposta é sim ou não.

-    DIVERSIDADE DE SEXO. O grande saudoso Caio Mario (na ultima obra evolução do direito civil), lembra que a diversidade de sexo é um princípio.

-    CELEBRAÇÃO POR AUTORIDADE MATERIALMENTE COMPETENTE. Pontes de Miranda diz que o casamento para existir precisa ser celebrado por autoridade materialmente competente. Não sendo celebrado por juiz materialmente competente o casamento é inexistente (Ex: casamento celebrado por um juiz federal).

OBS: No caso de incompetência meramente territorial ou relativa, o casamento é anulável (art. 1550, VI. Art. 1550. É anulável o casamento: VI - por incompetência da autoridade celebrante.).

Sobre a celebração por autoridade, note-se que o novo CC acolheu a teoria do funcionário de fato (teoria da aparência).

Teoria da aparência. Vale lembrar, com base na teoria da aparência, que o artigo 1554 CC admite a mantença do casamento à luz do princípio da boa fé.

Art. 1554. Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil.

"Tal ocorre na chamada teoria do funcionário de fato, provinda do Direito Administrativo, quando determinada pessoa, sem possuir vínculo com a Administração Pública, assume posto de servidor como se realmente o fosse, e realiza atos em face de administrados de boa fé, que não teriam como desconfiar do impostor. Imagine-se, em um distante município, o sujeito que assume as funções de um oficial de Registro Civil, realizando atos registrários e fornecendo certidões. Por óbvio, a despeito da flagrante ilegalidade, que, inclusive, acarretará responsabilização criminal, os efeitos jurídicos dos atos praticados, aparentemente lícitos, deverão ser preservados, para que se não prejudique aqueles que, de boa fé, hajam recorrido aos préstimos do suposto oficial.

Da mesma forma, se nos dirigimos ao protocolo de uma repartição pública para apresentarmos, dentro de determinado prazo, um documento, e lá encontramos uma pessoa que se apresenta como o funcionário encarregado, não existe necessidade de se perquirir a respeito da sua legitimidade. Se o sujeito era um impostor, caberá à própria Administração Pública apurar o fato, com o escopo de punir os verdadeiros funcionários que permitiram o acesso de um estranho ao interior de suas instalações. O que não se pode supor é que o administrado será prejudicado com a perda do prazo para a apresentação do documento solicitado. Mas não apenas no Direito Administrativo a teoria da aparência tem aplicabilidade. Também no Direito Civil".

  1. CAPACIDADE PARA O CASAMENTO

Art. 1517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.

Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1.631 (suprimento judicial).

Art. 1518. Até à celebração do casamento podem os pais, tutores ou curadores revogar a autorização.

Art. 1519. A denegação do consentimento, quando injusta, pode ser suprida pelo juiz.

Autorização para casamento. É exigido para os nubentes com idade entre 16 a 18 anos.

Idade mínima para casar: 16 anos. Exceção:

Art. 1520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal (crimes sexuais) ou em caso de gravidez.

OBS: A despeito de o casamento não figurar mais explicitamente como causa de extinção de punibilidade no art. 107 do CP, é possível a antecipação da capacidade núbil para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal, uma vez que o matrimonio pode ser interpretado como perdão ou renúncia no âmbito processual penal.

Solenidade. Os nubentes deve declarar expressamente que recebem um ao outro. Se titubear ou vacilar, o celebrante deve suspender o ato. Também ocorre em outros países.

  1. NOIVADO ou PROMESSA DE CASAMENTO ou ESPONSAIS

Segundo ANTONIO CHAVES, "consistem em um compromisso de casamento entre duas pessoas desimpedidas, de sexo diferente, com o escopo de possibilitar que se conheçam melhor, que aquilatem suas afinidades e gostos". A ruptura injustiçada do noivado pode, em havendo demonstração do dano, gerar responsabilidade civil.

Com isso não se conclua que nós estamos sempre obrigados a dizer o "sim", quando assumimos o noivado. Não é isso.

O problema é que, a depender das circunstâncias da ruptura, o exercício deste direito pode se afigurar abusivo, gerador de dano material ou moral (podendo desfazer o casamento semanas antes, prefere, por exemplo, o noivo, deixar a sua pretendente, humilhada, no altar, após proferir sonoro 'não'... tudo, pois, a depender da análise do caso concreto).

Pode haver, pois, quebra do princípio da boa-fé objetiva, aplicável ao Direito de Família.

Confira-se, a propósito do noivado, a seguinte jurisprudência selecionada:

RESPONSABILIDADE CIVIL - CASAMENTO - CERIMÔNIA NÃO REALIZADA POR INICIATIVA EXCLUSIVA DO NOIVO, ÀS VÉSPERAS DO ENLACE - Conduta que infringiu o princípio da boa-fé, ocasionando despesas, nos autos comprovadas, pela noiva, as quais devem ser ressarcidas. Dano moral configurado pela atitude vexatória por que passou a nubente, com o casamento marcado. Indenização que se justifica, segundo alguns, pela teoria da culpa in contrahendo, pela teoria do abuso do direito, segundo outros. Embora as tratativas não possuam força vinculante, o prejuízo material ou moral, decorrente de seu abrupto rompimento e violador das regras da boa-fé, dá ensejo à pretensão indenizatória. Confirmação, em apelação, da sentença que assim decidiu. (TJRJ - 5ª Câm. Cível; AC nº 2001.001.17643-RJ; Rel. Des. Humberto de Mendonça Manes; j. 17/10/2001; v.u.). BAASP, 2274/584-e, de 29.7.2002.

"O nosso ordenamento ainda admite a concessão de indenização à mulher que sofre prejuízo com o descumprimento da promessa de casamento. Art. 1.548, III, do C. Civil. Falta dos pressupostos de fato para o reconhecimento do direito ao dote e à partilha de bens. Recurso não conhecido." (STJ - RESP 251689 - RJ - 4ª T. - Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar - DJU 30.10.2000 p. 162)";

OBS: Não cabe lucros cessantes.


 

NAMORO. A ruptura do namoro não tem a mesma roupagem do noivado, razão pela qual, não se leva a simetria da disposição supra.


 

  1. DEVERES JURÍDICOS DECORRENTES DO CASAMENTO.

Art. 1566. São deveres de ambos os cônjuges:

I - FIDELIDADE RECÍPROCA;

O dever de fidelidade traduz uma manifestação de lealdade dentro do casamento. A ruptura, quebra do dever de fidelidade não se dá apenas com o adultério, mas também por meio de condutas desonrosas.

O adultério tecnicamente falando é a conjunção carnal espúria. Beijos, sentar no colo de outrem não é adultério tecnicamente falando e sim, conduta desonrosa.

Relações espúrias pela internet não é adultério virtual como dizem por ai. Se trata de infidelidade virtual.

P: A colheita da prova é admissível em relação a infidelidade virtual. Ex Notebook do marido? R: Sim, de acordo com o principio da proporcionalidade e da ponderação de interesses. Da mesma forma que é constitucional do direito do marido preservar as comunicações, a mulher tem o direito da dignidade virtual (Robert Alexy). Ver material de apoio.

Washington de Barros Monteiro. Tem um posicionamento arriscado – diz que o homem pode trair porque é da sua natureza. No campo de concurso público é pouco recomendado defender essa tese.

II - VIDA EM COMUM, NO DOMICÍLIO CONJUGAL;

A coabitação não traduz ao pé da letra de morar junta, traduz sim, o dever conjugal. A cautelar de separação de corpos suspende temporariamente este dever.

III - MÚTUA ASSISTÊNCIA;

IV - SUSTENTO, GUARDA E EDUCAÇÃO DOS FILHOS;

V - RESPEITO E CONSIDERAÇÃO MÚTUOS.

  1. DA EFICÁCIA DO CASAMENTO

Art. 1565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ 1º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

§ 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.

  1. PLANO DE VALIDADE DO CASAMENTO


 

  1. IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS

São requisitos que tocam a validade e eficácia do casamento.

No CC de 1916, os impedimentos eram divididos:

  • Absolutamente dirimentes (art. 183, I a VIII) – de ordem pública;
  • Relativamente dirimentes (art. 183, IX a XII) – de ordem particular;
  • Impedientes ou proibitivos (art. 183, XIII a XVI).

Essa matéria foi profundamente modificada com o advento do NCC. Hoje, quando se abre o CC não se tem amis em um único artigo os impedimentos acima narrados. Houve portanto uma reformulação.

Assim, à luz do NCC, os antigos impedimentos absolutos são tratados simplesmente por "IMPEDIMENTOS" no art. 1521.

Os antigos impedimentos relativos, no novo CC são tratados como CAUSAS DE ANULAÇÃO do casamento, nos termos do art. 1550, CC.

Já os impedientes são tratados como CAUSAS SUSPENSIVAS DO CASAMENTO, nos termos do art. 1523 do CC.


 

  1. DOS IMPEDIMENTOS

Dos impedimentos. Art. 1521. Não podem casar:

I - OS ASCENDENTES COM OS DESCENDENTES, SEJA O PARENTESCO NATURAL OU CIVIL;

II - OS AFINS EM LINHA RETA; Ex: Sogra-genro, padastro-enteada.

III - O ADOTANTE COM QUEM FOI CÔNJUGE DO ADOTADO E O ADOTADO COM QUEM O FOI DO ADOTANTE; São parentes.

IV - OS IRMÃOS, UNILATERAIS OU BILATERAIS, E DEMAIS COLATERAIS, ATÉ O TERCEIRO GRAU INCLUSIVE;

OBS: apesar do impedimento constante na parte final deste inciso, com base no Decreto Lei nº 3.200 de 1941, a doutrina (enunciado 98), entende ser possível o casamento entre colateriais de terceiro grau caso exista parecer médico favorável. Entende-se que esse decreto-lei cairá na linha do desuso.

Art. 1.521, inc. IV: o inc. IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-Lei nº 3.200/41 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau.

V - O ADOTADO COM O FILHO DO ADOTANTE; São irmãos.

VI - AS PESSOAS CASADAS;

VII - O CÔNJUGE SOBREVIVENTE COM O CONDENADO POR HOMICÍDIO OU TENTATIVA DE HOMICÍDIO CONTRA O SEU CONSORTE.

Conseqüência. Contraindo o casamento impedido, é causa de nulidade. CC

Art. 1548. É nulo o casamento contraído:

I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II - por infringência de impedimento.

Outrossim, a decretação de nulidade de casamento, pelos motivos previstos no artigo antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, conforme determinação do art. 1549 do CC.

Perceba que no rol do art. 1548 não existe o impedimento dos condenados por crime de adultério que outrora existia no CC de 1916.


 

  1. CAUSAS DE ANULAÇÃO

Art. 1550. É Anulável o casamento:

I - DE QUEM NÃO COMPLETOU A IDADE MÍNIMA PARA CASAR; Idade mínima = 16 anos.

II - DO MENOR EM IDADE NÚBIL, QUANDO NÃO AUTORIZADO POR SEU REPRESENTANTE LEGAL;

III - POR VÍCIO DA VONTADE, NOS TERMOS DOS ARTS. 1.556 A 1.558;

Vicio do negócio e causa de anulação de contrato – mais um argumento favorável para a natureza jurídica.

Art. 1556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.

Art. 1557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado; Ex: Homosexualidade ignorada pela nubente.

Se o conhecimento for posterior ao casamento é causa de separação.

II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

Impotência coeandi. Impotência gravitacional. Desde que o conhecimento seja desconhecido anteriormente ao casamento.

A impotência de não ter filhos não é causa de anulabilidade.

IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

Obs.: Note-se que a ausência de virgindade da noiva não é mais causa de anulação do casamento. Aliás, com a entrada em vigor da Constituição Federal, não mais poderia ser, à luz dos princípios da dignidade humana e da igualdade.

Art. 1558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares.

Os vícios de consentimento podem anular um casamento. Ter cuidado com o erro, este também pode anular o casamento, conforme art. 1557 e 1558 acima.

IV - DO INCAPAZ DE CONSENTIR OU MANIFESTAR, DE MODO INEQUÍVOCO, O CONSENTIMENTO;

V - REALIZADO PELO MANDATÁRIO, SEM QUE ELE OU O OUTRO CONTRAENTE SOUBESSE DA REVOGAÇÃO DO MANDATO, E NÃO SOBREVINDO COABITAÇÃO ENTRE OS CÔNJUGES;

VI - POR INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE CELEBRANTE.

PARÁGRAFO ÚNICO. EQUIPARA-SE À REVOGAÇÃO A INVALIDADE DO MANDATO JUDICIALMENTE DECRETADA.

EFEITOS DA SENTENÇA QUE ANULA CASAMENTO. Um parte da doutrina (Orlando Gomes, Maria helena Diniz) afirma que a sentença tem efeitos ex nunc; Existe outra corrente doutrinária (Pontes de Miranda) afirma que os efeitos são ex tunc. Para o professor é a que defende a retroatividade dos efeitos (ex tunc) até porque o registro é cancelado.


 

  1. CAUSAS SUSPENSIVAS (IMPEDIENTES)

Interferem na eficácia do casamento. O casamento é valido, mas em determinadas situações, ficam suspensas.

Sanção. Quem viola as causas suspensivas, obrigatoriamente se submete ao regime de separação obrigatória de bens.

Art. 1523. Não devem casar:

I - O VIÚVO OU A VIÚVA QUE TIVER FILHO DO CÔNJUGE FALECIDO, ENQUANTO NÃO FIZER INVENTÁRIO DOS BENS DO CASAL E DER PARTILHA AOS HERDEIROS; Pretende o dispositivo evitar confusão patrimonial.

II - A VIÚVA, OU A MULHER CUJO CASAMENTO SE DESFEZ POR SER NULO OU TER SIDO ANULADO, ATÉ DEZ MESES DEPOIS DO COMEÇO DA VIUVEZ, OU DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL; Pretende resguardar o patrimônio e a prole.

III - O DIVORCIADO, ENQUANTO NÃO HOUVER SIDO HOMOLOGADA OU DECIDIDA A PARTILHA DOS BENS DO CASAL; é possível o divorcio sem a partilha. Neste caso, casando sem a partilha, o regime será de separação obrigatória.

IV - O TUTOR OU O CURADOR E OS SEUS DESCENDENTES, ASCENDENTES, IRMÃOS, CUNHADOS OU SOBRINHOS, COM A PESSOA TUTELADA OU CURATELADA, ENQUANTO NÃO CESSAR A TUTELA OU CURATELA, E NÃO ESTIVEREM SALDADAS AS RESPECTIVAS CONTAS. Para evitar abuso.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.


 

P: O que é Casamento Putativo? R: É aquele casamento nulo ou anulável contraído de boa fé por um ou ambos os cônjuges. A diferença está em razão da boa fé objetiva, onde o juiz, até mesmo de oficio pode reconhecer a putatividade e preservar os efeitos do casamento como se fosse válido, para quem estava de boa fé. CC

Art. 1561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

§ 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.

§ 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.

Confira-se ainda jurisprudência do STJ sobre a matéria:

Casamento putativo. Boa-fé. Direito a alimentos. Reclamação da mulher. 1. Ao cônjuge de boa-fé aproveitam os efeitos civis do casamento, embora anulável ou mesmo nulo (Cód. Civil, art. 221, parágrafo único). 2. A mulher que reclama alimentos a eles tem direito mas até à data da sentença (Cód. Civil, art. 221, parte final). Anulado ou declarado nulo o casamento, desaparece a condição de cônjuges. 3. Direito a alimentos "até ao dia da sentença anulatória". 4. Recurso especial conhecido pelas alíneas a e c e provido. RESP 69108 / PR; RECURSO ESPECIAL 995/0032729-5.

Há entendimento do STF, todavia, no sentido de não haver limitação de tempo no que tange ao direito alimentar (RTJ, 89:495).7

  1. FORMAS DE CASAMENTO

Temos o casamento civil e o religioso com efeitos civis. Um caso ou outro, o reconhecimento do Estado é obrigatório desde 1890.

  1. CASAMENTO CIVIL

Art. 1514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

  1. CASAMENTO RELIGIOSO COM EFEITOS CIVIS

Art. 1515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.

Art. 1516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.

§ 1º O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.

§ 2º O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532.

§ 3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil.


 

  1. FORMAS ESPECIAIS DE CASAMENTO

Formas básicas são o casamento civil e o religioso com efeitos civis.

As formas especiais são:

  1. CASAMENTO EM IMINENTE RISCO DE VIDA ou IN ARTICULO MORTIS ou IN
    EXTREMIS ou CASAMENTO NUNCUPATIVO;

Art. 1540. Quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo a presença da autoridade à qual incumba presidir o ato, nem a de seu substituto, poderá o casamento ser celebrado na presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo grau.

Art. 1541. Realizado o casamento, devem as testemunhas comparecer perante a autoridade judicial mais próxima, dentro em dez dias, pedindo que lhes tome por termo a declaração de:

I - que foram convocadas por parte do enfermo;

II - que este parecia em perigo de vida, mas em seu juízo;

III - que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente, receber-se por marido e mulher.

§ 1º Autuado o pedido e tomadas as declarações, o juiz procederá às diligências necessárias para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado, na forma ordinária, ouvidos os interessados que o requererem, dentro em quinze dias.

§ 2º Verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento, assim o decidirá a autoridade competente, com recurso voluntário às partes.

§ 3º Se da decisão não se tiver recorrido, ou se ela passar em julgado, apesar dos recursos interpostos, o juiz mandará registrá-la no livro do Registro dos Casamentos.

§ 4º O assento assim lavrado retrotrairá os efeitos do casamento, quanto ao estado dos cônjuges, à data da celebração.

§ 5º Serão dispensadas as formalidades deste e do artigo antecedente, se o enfermo convalescer e puder ratificar o casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro.


 

  1. CASAMENTO EM CASO DE MOLESTIA GRAVE

Art. 1539. No caso de moléstia grave de um dos nubentes, o presidente do ato irá celebrá-lo onde se encontrar o impedido, sendo urgente, ainda que à noite, perante duas testemunhas que saibam ler e escrever.

§ 1º A falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o casamento suprir-se-á por qualquer dos seus substitutos legais, e a do oficial do Registro Civil por outro ad hoc, nomeado pelo presidente do ato.

§ 2º O termo avulso, lavrado pelo oficial ad hoc, será registrado no respectivo registro dentro em cinco dias, perante duas testemunhas, ficando arquivado.

É uma forma menos grave que o nucumpativo.


 

  1. CASAMENTO POR PROCURAÇÃO

Art. 1542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais.

§ 1º A revogação do mandato não necessita
chegar ao conhecimento do mandatário; mas, celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da revogação, responderá o mandante por perdas e danos.

§ 2º O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazer-se representar no casamento nuncupativo.

§ 3º A eficácia do mandato não ultrapassará noventa dias.

§ 4º por instrumento público se poderá revogar o mandato.

OBS: Se houver revogação de procuração, os atos subseqüentes teriam que ser inexistentes, mas o artigo supra trata de causa de invalidade.


 

  1. DIREITOS DA (O) AMANTE

P: É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo? R: Em sendo possível, existe a possibilidade de concorrerem núcleos afetivos simultâneos? Reconhecendo o fato da vida de que uma pessoa possa manter vida paralela (a e B), o direito poderia tutelar as duas relações?

Trata-se de uma questão, acima de tudo jurídica. O mundo tem mudado, tem havido uma frouxidão de valores. A evolução está ai.

Relações concubinárias paralelas sempre existiram, não se trata de um fato novo. O aspecto é que essa temática esta sendo colocada em enfrentamento.

O CC não existe tutela especifica sobre amantes ou concubinas. Existe sim, no CC um artigo que cuidam relação de amantes, embora não cuide de direitos:

Art. 1727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

No concurso não escrever união estável referindo a concubinas. Concubinas se trata de amantes. Para união estável o termo é companheira e companheiro.

Existe duas correntes doutrinárias que tratam sobre direitos do amante:

-    1ª corrente: Sustenta que a relação concubinária deve ser tutelada apenas pelo direito obrigacional, visando a evitar o enriquecimento sem causa. Esta é a corrente predominante. Ex: Amantes num prazo de 15 anos tem direito de ser indenizado (muitas vezes o amante colabora para o aumento patrimonial como uma compra de um apartamento). Encontra-se decisão neste sentido, inclusive no STJ (Resp. 303.604).

-    2ª corrente: Esta corrente, mais arrojada, defendida por autores como Anderson Gomes, Marília Andrade, despontando essa corrente como uma tendência no sentido de se reconhecer a amante direitos de família a exemplo dos alimentos (roupagem familiarista). Quanto ao regime de bens, dever-se-ia apurar o montante produzido ao longo da convivência.

Em cada caso concreto seria necessário utilizar-se do bom senso, da equidade e da sabedoria, não se podendo adotar uma regra geral.

Interessante salientar que o STF recentemente se deparou com o problema dos direitos da amante no campo previdenciário, no RE 397.762-8 BA, em que por maioria, os ministros negaram a divisão da pensão previdenciária entre a viúva do falecido e sua amante, mantendo a linha tradicional. Não quer dizer que esta matéria esteja resolvida, posto que fora julgado por uma turma e não pelo plenário.

A respeito do tema, veja esta interessante notícia:

Concubina tem direito a pensão, mas não a imóvel Site: Expresso da notícia http://www.lawweb.com.br/conteudo.asp?Codigo=1617

Os ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceram o direito de uma dona de casa a receber indenização pelo período de convivência com um homem casado. Ela vai receber uma pensão mensal de meio salário mínimo, correspondente aos 36 anos de duração do relacionamento, só interrompido com a morte dele. O homem mantinha uma vida dupla: morava com a mulher e, alguns dias e noites da semana, passava com a concubina. No entanto, o STJ reformou decisão da Justiça paulista, segundo a qual a concubina detinha o direito a morar no imóvel depois da morte da esposa. "Neste caso haveria uma apropriação de bem de espólio".

Segundo o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do processo no STJ, o entendimento do Tribunal aponta para o pagamento de indenização à concubina durante o período de vida em comum. "A concubina faz jus a uma indenização por serviços domésticos prestados ao companheiro, o que não importa em dizer que se está a remunerar como se serviçal ou empregada fosse, mas , sim, na sua contribuição para o funcionamento do lar, permitindo ao outro o exercício de atividade lucrativa, em benefício de ambos". Liberado dos afazeres domésticos, o homem não despende tempo, energia ou preocupação para a manutenção da casa e de si mesmo, "encargos confiados à concubina, e isso tem certo valor, reconhecido jurisprudencialmente".

Para o relator, a pensão fixada na Justiça paulista – meio salário mínimo mensal, do começo ao fim da relação extraconjugal – parece "coerente, pela longa duração, superior a três décadas, da convivência, ainda que na constância do casamento".

Por outro lado, o relator discordou de parte da decisão que atribui à concubina o direito de residir no imóvel de propriedade do homem, após a morte da mulher dele, em outubro de 2000. "Se o direito é indenizatório, não parece razoável estendê-lo para além do período da relação, para torná-lo vitalício em favor da concubina, em detrimento dos herdeiros legais, ainda que não sejam herdeiros necessários". A seu ver, significaria mais do que uma indenização, "uma espécie de usufruto sobre imóvel alheio, que jamais chegou a ser ocupado pela concubina, mas pela esposa. Aí, mais do que uma indenização, estaria havendo uma apropriação de bem do espólio, mesmo que temporária".


 

  1. POLIAMORISMO

A situação em que um homem ou mulher mantém duas ou mais relações paralelas que se conhece, se aceitam e consagram essas relações. Hipótese de concubinato consentido.

Trata-se da situação, estudada por alguns psicólogos, em que uma pessoa mantém, simultaneamente, relações de afeto paralelas com dois ou mais indivíduos, todos cientes da circunstância coexistencial, vivenciando-se, pois, uma relação sobremaneira aberta.

Mas como o Direito disciplinaria a questão?

Não havendo regra legal específica, o TJRS, em caso semelhante, observando a afetividade existente, decidiu por equidade, consoante vemos na referência abaixo.

Justiça determina divisão de bens entre esposa, concubina e filhos Site: Expresso da notícia

http://www.lawweb.com.br/conteudo.asp?Codigo=1562 Decisão é inédita

A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu que um cidadão viveu duas uniões afetivas: com a sua esposa e com uma companheira. Assim, decidiram repartir 50% do patrimônio imóvel, adquirido no período do concubinato, entre as duas. A outra metade ficará, dentro da normalidade, com os filhos. A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da análise das especificidades do caso. A companheira entrou na Justiça com Ação Ordinária de Partilha de Bens contra a esposa e filho do falecido. Alegou que manteve relacionamento público e notório com ele entre 1970 e 1998.

O relator, Desembargador Rui Portanova, concedeu apenas em parte o pedido da autora pois "não há como retirar dos filhos o direito de herança ou totalmente da esposa o seu direito de meação". Assim, declarou que a companheira tem direito a 25% do patrimônio imóvel adquirido pelo falecido durante a existência do concubinato.

A companheira vivia em Santana do Livramento e também teve um filho com o cidadão. Já a família legalizada vivia em São Gabriel. Para o magistrado, apesar de não se aplicar o novo Código Civil diretamente, a situação é prevista no artigo 1.727. Para ele, o novo Código Civil não proibiu o concubinato. "Agora é possível dizer que o novo sistema do direito de família se assenta em três institutos: um, preferencial e longamente tratado, o casamento; outro, reconhecido e sinteticamente previsto, a união estável; e um terceiro, residual, aberto às apreciações caso a caso, o concubinato", afirmou.

Para o Desembargador Portanova, "a experiência tem demonstrado que os casos de concubinato apresentam uma série infindável de peculiaridades possíveis". Avaliou que se pode estar diante da situação em que o trio de concubino esteja perfeitamente de acordo com a vida a três. No caso, houve uma relação "não eventual" contínua e pública, que durou 28 anos, inclusive com prole, observou.

"Tal era o elo entre a companheira e o falecido que a esposa e o filho do casamento sequer negam os fatos – pelo contrário, confirmam; é quase um concubinato consentido."

O Desembargador José Ataides Siqueira Trindade acompanhou as conclusões do relator, ressaltando a singularidade do caso concreto: "Não resta a menor dúvida que é um caso que foge completamente daqueles parâmetros de normalidade e apresenta particularidades específicas, que deve merecer do julgador tratamento especial". Já o Desembargador Alfredo Guilherme Englert, que presidiu a sessão ocorrida em 27/2, acompanhou também, nas conclusões, o relator.


 

  1. UNIÃO ESTÁVEL

    1. Momento histórico

      .

Regulamentação anterior (Leis n. 8971/94 e 9278/96) e o novo CC – art. 1723: O século XX marcou a história da humanidade, não apenas como a era da tecnologia, mas também da profunda mudança de valores, refletindo-se, por conseqüência, no âmbito da família: o casamento deixaria de ser a única instância legitimadora e passaria a conviver com outras formas de união livre.

Nessa linha, com especial influência do Direito francês, o nosso sistema jurídico, paulatinamente, passaria a ceder espaço ao concubinato – entidade familiar não matrimonializada – preferindo, inclusive, substituir esta expressão – indicativa de uma relação proibida – pela noção de companheirismo.

Ora, podemos observar que a evolução desse instituto deu-se a passos lentos, no âmbito do Direito Civil, que, de maneira tímida, apenas em 1912, por ocasião da entrada em vigor do Decreto n. 2.681, reconheceria à concubina direito à indenização pela morte do companheiro em estradas de ferro.

A partir daí, em geral, apenas o Direito Obrigacional deitaria seus olhos à tutela da companheira, para admitir, em um primeiro momento, a possibilidade de se pleitear indenização pelos serviços prestados durante o período de convivência.

Observava-se, pois, aqui, a preocupação da jurisprudência em evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes da relação, mas sempre a situando no árido terreno obrigacional, razão por que, no âmbito judicial, as demandas porventura instauradas tramitariam em Varas Cíveis.

E note-se que, nessa primeira fase, a companheira era tratada como mera prestadora de serviços domésticos.

Mas a jurisprudência evoluiria, em um segundo momento, para admitir o reconhecimento de uma sociedade de fato entre os companheiros, de maneira que a companheira deixaria de ser mera prestadora de serviços com direito a simples indenização, para assumir a posição de sócia na relação concubinária, com direito à parcela do patrimônio comum, na proporção do que houvesse contribuído.

Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal, que já havia editado súmula admitindo o direito da companheira à indenização por acidente de trabalho ou transporte do seu companheiro, se não houvesse impedimento para o matrimônio (S. 35), avançaria mais ainda, para reconhecer, na súmula 380, direito à partilha do patrimônio comum:

S. 380 – Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

A contribuição da companheira, que tanto poderia ser direta (econômica) como, em uma visão mais avançada, indireta (psicológica), justificaria, pois, a demanda voltada à divisão proporcional do patrimônio, cujo trâmite seria feito em sede do Juízo Cível, como já mencionado, visto que, até então, a relação entre os companheiros não era admitida como uma forma de família.

A nossa Constituição Federal, todavia, modificaria profundamente esse cenário, retirando o concubinato puro (entre pessoas desimpedidas ou separadas de fato) da zona do Direito das Obrigações, para reconhecer-lhe dignidade constitucional, alçando-o ao patamar de instituto do Direito de Família, consoante se depreende da leitura de seu art. 226, § 3º:

Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.

Note-se, aqui, não ter havido uma identificação com o casamento – tanto é que se dispôs facilitar a conversão em matrimônio –, mas sim uma equiparação em nível constitucional, para efeito protetivo, no âmbito do Direito Constitucional de Família.

Seguindo, pois, esse referido mandamento constitucional, duas importantes leis foram editadas: a Lei n. 8.971, de 1994 (que regulou os direitos dos companheiros aos alimentos e à sucessão), e a Lei n. 9.278, de 1996 (que revogou parcialmente o diploma anterior, ampliando o âmbito de tutela dos companheiros).

O novo Código Civil, por sua vez, culminaria por derrogar a lei de 1996, uma vez que a disciplina da união estável passaria e integrar o corpo do nosso próprio Estatuto Civil:

"TÍTULO III

DA UNIÃO ESTÁVEL

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

OBS: Pessoas casadas, mas separadas de fato ou judicialmente podem constituir união estável.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

DEVERES JURÍDICOS DA UNIÃO ESTÁVEL

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato".


 

  1. CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL

A união estável é uma entidade familiar constitucionalmente reconhecida, constituída por duas pessoas que mantenham convivência pública, contínua e duradoura, objetivando a constituição de uma família.

Para a configuração da união estável, deve ser observado como ponto mais importante o elemento teleológico. Objetivo de constituir família – aparentam casamento, porque a finalidade da união é formar família. O verbo conjugado está no presente e não no futuro, pois

-     não existe tempo mínimo para a configuração da união estável

-    não se exige prole comum.

-    não é exigido a convivência more uxório - coabitação (sumula 382 do STF):

A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.

Para efeito de reconhecimento da união estável, não se exige lapso temporal predeterminado, bem como não são indispensáveis a convivência sob o mesmo teto ou more uxório (S. 382 do STF) nem a existência de prole comum. Claro que todos esses fatores, isoladamente ou, com mais razão ainda, reunidos, facilitarão a admissibilidade do vínculo concubinário, mas não podem ser encarados como requisitos imprescindíveis.

Ademais, vale relembrar que apenas a relação concubinária pura – vale dizer, entre pessoas desimpedidas ou separadas de fato – merece, regra geral, a tutela do Direito de Família, sendo esta a orientação da jurisprudência:

Família – Reconhecimento de união estável – Requisitos – Pessoas casadas – § 1º do art. 1.723 do CC – Bens adquiridos durante a convivência – Partilha. São requisitos da união estável a convivência duradoura, pública, contínua e com o objetivo de constituir família. Nos termos do § 1º do art. 1.723 do novo CC, somente se reconhecerá a união estável de pessoas casadas no caso de se encontrarem separadas de fato ou judicialmente. Se um dos companheiros ainda se achava vinculado a casamento anterior, à época da convivência, não há falar em união estável e, por conseqüência, em direito ao partilhamento dos bens adquiridos no período, hipótese em que se torna necessária a prova da participação do convivente postulante em sua aquisição (TJMG, 8ª Câm. Cív., Ap. 1.0024.02732976-2/001-1, j. 23-6-2005).

OBS: Existe um projeto de lei que se intitula o estatuto das famílias, onde tem por objetivo regulamentar a união estável, inclusive para pessoas do mesmo sexo (PL 2285-07)


 

  1. REGIME DE BENS: CONTRATO DE CONVIVÊNCIA

Na união estável, a disciplina patrimonial é feita por meio de contrato de convivência (ver obra de Francisco Cahali – Ed. Saraiva), de maneira que ausente este pacto serão aplicadas as regras da comunhão parcial de bens, nos termos do art. 1725 CC.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Ainda no campo da união estável, perfeitamente admissível e bastante comum, é o "contrato de convivência", pacto firmado entre os companheiros, por meio do qual são disciplinados os efeitos patrimoniais da união, como a pensão alimentícia e o regime de bens.

Nesse caso, o vínculo concubinário não é negado. Muito pelo contrário. É voluntariamente reconhecido e amigavelmente disciplinado.

Mas vale lembrar, com FRANCISCO CAHALI, em excelente obra do Direito brasileiro, que: "O contrato de convivência não tem força para criar a união estável, e, assim, tem sua eficácia condicionada à caracterização, pelas circunstâncias fáticas, da entidade familiar em razão do comportamento das partes. Vale dizer, a união estável apresenta-se como conditio juris ao pacto, de tal sorte que, se aquela inexistir, a convenção não produz os efeitos nela projetados".


 

  1. UNIÃO ESTÁVEL X NAMORO

Um ponto ainda deve ser salientado: não se deve confundir a união estável – entidade familiar constitucionalmente reconhecida – com o simples namoro.

O contrato de namoro é um assunto sério. É uma declaração formal de natureza negocial, em livro de notas de tabelião, por meio da qual os declarantes afirmam a instabilidade (namoro) com propósito de evitar a aplicação das regras da união estável.

Este ato tem validade jurídica? R: Pode até servir como elemento para o juiz investigar a intenção das partes, mas não é uma prova peremptória. Pois este contrato não pode, aprioristicamente afastar as regras da união estável – para isso não tem validade.

Silvio Venosa: a união é um fato da vida, estando ela configurada, não é um contrato de namoro que irá afastá-la. Nessa perspectiva o contrato é nulo.

No STJ também observamos a preocupação em se diferenciar o namoro da união estável:

DIREITOS PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. CONVIVÊNCIA SOB O MESMO TETO. DISPENSA. CASO CONCRETO. LEI N. 9.728/96. ENUNCIADO N. 382 DA SÚMULA/STF. ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ.

DOUTRINA. PRECEDENTES. RECONVENÇÃO. CAPÍTULO DA SENTENÇA. TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. HONORÁRIOS. INCIDÊNCIA SOBRE A CONDENAÇÃO. ART. 20, § 3º, CPC. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

I - Não exige a lei específica (Lei n. 9.728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável. II - Diante da alteração dos costumes, além das profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade, não é raro encontrar cônjuges ou companheiros residindo em locais diferentes. III - O que se mostra indispensável é que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento, como no caso entendeu o acórdão impugnado. IV - Seria indispensável nova análise do acervo fático-probatório para concluir que o envolvimento entre os interessados se tratava de mero passatempo, ou namoro, não havendo a intenção de constituir família. V - Na linha da doutrina, "processadas em conjunto, julgam-se as duas ações [ação e reconvenção], em regra, 'na mesma sentença' (art. 318), que necessariamente se desdobra em dois capítulos, valendo cada um por decisão autônoma, em princípio, para fins de recorribilidade e de formação da coisa julgada". VI - Nestes termos, constituindo-se em capítulos diferentes, a apelação interposta apenas contra a parte da sentença que tratou da ação, não devolve ao tribunal o exame da reconvenção, sob pena de violação das regras tantum devolutum quantum apellatum e da proibição da reformatio in peius. VII - Consoante o § 3º do art. 20, CPC, "os honorários serão fixados (...) sobre o valor da condenação". E a condenação, no caso, foi o usufruto sobre a quarta parte dos bens do de cujus. Assim, é sobre essa verba que deve incidir o percentual dos honorários, e não sobre o valor total dos bens. (REsp 474.962/SP, Rel. MIN. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 23.09.2003, DJ 01.03.2004 p. 186)


 

  1. UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA

Também aplicação da teoria da aparência, assim como se dá no casamento, na união estável putativa uma pessoa mantem relações de companheirismo simultâneas com outras pessoas de boa-fé.

Uma pessoa casada (e que ainda mantém sociedade conjugal) mantiver relação concubinária com outra, que, de boa-fé, ignora o status matrimonial do seu companheiro, poderia invocar a proteção da legislação de família, invocando a teoria da aparência (putatividade)? Em nosso sentir, teoricamente sim, muito embora não tenha sido este o entendimento esposado pelo STJ, que negou essa teoria neste acórdão:

União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes. Equiparação ao casamento putativo. Lei nº 9.728/96. 1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 789.293/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 271)    

  1. UNIÃO ESTÁVEL E TERCEIROS ESTÁVEL

Problemática seríssima.

Na apostila de processo civil, bem salientado pelo professor Diddier, em relação a outorga de concubinária a contratos com clausula de fiança.

Como não há registro da existência da união estável, e embora a publicidade da relação seja um requisito para a configuração desta entidade familiar, realmente torna-se difícil ao terceiro proteger-se de eventuais prejuízos, não podendo ser aplicado esse regime processual especial aos companheiros, por haver insegurança jurídica de enorme monta, outrossim, se nos autos houver notícia da união estável, a postura mais prudente do juiz é ouvir o companheiro.

Por conta disso, em caso de colidência entre o direito de terceiro de boa fé e um dos companheiros (ex: do empréstimo com garantia hipotecária) sugere a doutrina (Arnold Wald) que se preserve o direito de terceiro de boa fé, cabendo ao companheiro prejudicado ação regressiva contra o outro. Pode não ser a melhor solução, mas sem duvida é a mais razoável, à vista da grande possibilidade de fraude.

Por conta disso, os contratos de financiamento pelos bancos já existem perguntas sobre a união estável, acautelando a possibilidade de fraude.


 

  1. CASAMENTO CELEBRADO EM CENTRO ESPÍRITA

Possibilidade Legal de Atribuição de Efeitos Civis. Recusa da Autoridade Cartorária.

    Argumentos contrários

O espiritismo não seria religião.

Não haveria autoridade celebrante.

Não haveria liturgia (ritual religioso).


 

    Argumentos favoráveis

Existe liturgia própria.

A lei não define o que é autoridade celebrante.

O IBGE, em pesquisa realizada em 2002 observou que a religião espírita é uma das religiões do povo brasileiro.

Dalmo Dallari defende o casamento espírita kardecista argumentando principalmente que a lei não definiu o que é religião, nem autoridade celebrante.

Na jurisprudência, a primeira decisão sobre o tema no Mandado de Segurança nº 34739.8/05, de Salvador, que, na linha de raciocínio de Dalmo Dallari admitiu o casamento no centro espírita.


 


 

  1. SEPARAÇÃO

Outrora denominada de desquite, quando decretada, determinava o desfazimento da sociedade conjugal, e não do vinculo conjugal.

Nos termos do art. 1576 determinados deveres são dissolvidos:

Art. 1576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.

Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão.

  1. CLASSIFICAÇÃO

Pedro Sampaio diz que poder-se-ia limitar o pleito na ruptura da convivência afetiva. Segundo a doutrina, a separação judicial pode ser classificada da seguinte maneira:

  1. SEPARAÇÃO JUDICIAL CONSENSUAL (ART. 1574)

Trata-se da denominada separação amigável, que se dá por acordo de vontades dos cônjuges, e se forem casados há mais de um ano – PRAZO DE REFLEXÃO - (no CPC, arts. 1120 e ss.). Vale lembrar que, recentemente, a Lei n° 11.112, de 13.05.05, determinou que, na petição conjunta, deverá constar o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas;

Art. 1574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano (PRAZO DE REFLEXÃO) e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.

OBS: Orlando Gomes critica o mutuo consentimento, pois, para ele o consentimento em si já é suficiente.

Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.


 

  1. SEPARAÇÃO LITIGIOSA (ART. 1572)

A separação litigiosa pode ser por causa objetiva e subjetiva:

  • POR CAUSA OBJETIVA: Chamada de separação falência. Os parágrafos primeiro e segundo do art. 1572 descreve a ruptura da vida em comum "separação falência" ou acometimento de doença mental grave "separação remédio". Não se discute culpa. Não é a separação mais usual no Brasil.

§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição. SEPARAÇÃO FALÊNCIA

§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável. SEPARAÇÃO REMÉDIO.

Ex: Embriaguês patológica.

§ 3º No caso do § 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.

P: O que é clausula de dureza? R: A sua origem é do direito francês. A doutrina entende (Carlos Roberto Gonçalves) que o CC não repetiu a clausula de dureza prevista no art. 6º da antiga lei do divorcio, segundo a qual o juiz poderia negar a separação falência ou remédio, caso constatasse o agravamento das condições pessoais dos filhos menores ou do cônjuge enfermo.


 

  • POR CAUSA SUBJETIVA: Trata-se da pior forma de separação.

Art. 1572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

Por causa subjetiva: caput do art. 1572, caso em que um cônjuge imputa ao outro ato que importa em grave violação de qualquer dos deveres do casamento, tornando insuportável a vida em comum;

O artigo 1573 exemplifica: Art. 1573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I - adultério;

II - tentativa de morte;

III - sevícia (maus tratos) ou injúria grave;

IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V - condenação por crime infamante;

VI - conduta desonrosa.

Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

Critica. O sistema brasileiro deveria ser repensado, numa perspectiva constitucional, não seria o caso de abandonarmos o critério da culpa para admitirmos, em respeito à função social da família, a separação por simples desamor? A resposta é afirmativa. Autores do quilate de Leonardo Alves, Marcelo Truzi defendem esse posicionamento em respeito a dignidade humana, bastando apenas a falta do amor (separação por desamor).

O próprio STJ admite essa tese revolucionária

RESP 467184/SP; RECURSO ESPECIAL 2002/0106811-7

Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar (1102) Órgão Julgador: T4 – QUARTA TURMA Data do Julgamento: 05/12/2002

Ementa SEPARAÇÃO. Ação e reconvenção. Improcedência de ambos os pedidos. Possibilidade da decretação da separação. Evidenciada a insuportabilidade da vida em comum, e manifestado por ambos os cônjuges, pela ação e reconvenção, o propósito de se separarem, o mais conveniente é reconhecer esse fato e decretar a separação, sem imputação da causa


 

Perda do direito ao sobrenome do outro

Outra critica refere-se ao art. 1578: Art. 1578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:

I - evidente prejuízo para a sua identificação;

II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III - dano grave reconhecido na decisão judicial.

§ 1º O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.

§ 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.


 

  1. DIVÓRCIO

O divórcio só foi possível no Brasil por conta da emenda nº 09, à Constituição de 1967 que baniu o princípio da indissolubilidade do matrimônio.

No divórcio, não apenas a sociedade conjugal é extinta (vínculo matrimonial), admitindo, por conseqüência, novo casamento.

Para que fosse possível o divórcio (dissolução do vínculo matrimonial) no Brasil, fez-se necessária a edição da Emenda Constitucional n. 09 à CF de 1967, pondo por terra o princípio constitucional da indissolubilidade do casamento (sobre o tema, cf. "Divórcio e Separação", Yussef Said Cahali, RT).

Posteriormente, a matéria veio a ser regulamentada pela famosa Lei n. 6515 de 1977 (Lei do Divórcio).

Atualmente o novo CC regula o divórcio nos artigos 1580 a 1582.

  1. ESPÉCIES DE DIVÓRCIO

Além do divórcio indireto ou por conversão, temos ainda o divórcio direto, ambos com base constitucional (art. 226, § 6°, CF), sendo que, nesta última modalidade, basta a comprovação da separação de fato há mais de dois anos, para o deferimento do pleito.

  1. DIVÓRCIO INDIRETO OU POR CONVERSÃO

Pressupõe a separação judicial decretada.

Existe Projeto de Emenda Constitucional (do Deputado Federal Sérgio Carneiro) para acabar com a separação no Brasil, mantendo, apenas, o divórcio.

Decorrido 1 ano da sentença de separação, pode-se requerer a conversão em divorcio indireto. A sentença de separação só pode ser convertida que já houver passado em julgado. É comum no Brasil, antes ou durante da sentença de separação, um dos cônjuges ingressam com separação de corpos – então, esse prazo de um ano pode ser contado a partir desta decretação, lembrando ainda que a sentença tem que transitar em julgado.

Art. 1580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.

§ 1º A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.

  1. DIVÓRCIO DIRETO

    § 2º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.

O único fundamento da ação de divorcio direto é a separação de fato a mais de 02 anos.

É até possível se discutir culpa em divorcio, para fixar efeito colateral da sentença, como alimentos.

O CC revolucionando no art. 1581 diz que o divorcio pode ser concedido sem que haja previa partilha do casal, onde a lei antiga do divorcio (art. 43) só se podia decretar o divorcio se houvesse a partilha.

Art. 1581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.

Súmula nº 197. O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens. (DJU 22.10.1997)

Por conta disso, inúmeros processos são impetrados com base neste dispositivo, onde a partilha de bens geralmente não é feita, sendo em alguns casos feita no inventário de um dos ex cônjuges.


 

    LEGITIMIDADE

Art. 1582. O pedido de divórcio somente competirá aos cônjuges.

Parágrafo único. Se o cônjuge for incapaz para propor a ação ou defender-se, poderá fazê-lo o curador, o ascendente ou o irmão.


 

  1. CONSIDERAÇÕES À LEI 11.441 DE 2007

Por óbvio, por estarmos cuidando do Direito de Família, cuidaremos de estudar especificamente a separação e o divórcio administrativos.

Trata-se de um grande avanço em nosso sistema legislativo.

Este diploma alterou o CPC nos seguintes termos: Art. 3º da Lei nº 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.124-A:

"Art. 1124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

§ 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei."

A primeira grande vantagem desta lei, que remeteu a separação e o divórcio consensuais à via administrativa, é permitir que qualquer desses atos possa ser feito em qualquer cartório de notas do Brasil, averbando-se, por conseguinte, a posteriori, a respectiva escritura, nos cartórios de Registro Civil, de Imóveis, e, embora nada diga a lei, na Junta Comercial, caso um dos separandos/divorciandos seja empresário individual.

O ato notarial, como visto, também dispensa a homologação judicial.

Procuração. Não há tentativa de reconciliação, de maneira que, agora, é perfeitamente possível sustentar-se que o divórcio e a separação consensual possam ser feitos por procuração (procuração pública com poderes especiais).

Testemunha. Entendemos, categoricamente, que a exigência de testemunha é dispensável, sendo bastante a declaração conjunta dos interessados, sob as penas da lei civil e criminal. O art. 53 da Resolução 35 de 24 de abril de 2007, do CNJ, registra que o tabelião "pode" colher a declaração de testemunha. Entende que a declaração dos cônjuges não basta para a comprovação da separação de fato:

Art. 53. A declaração dos cônjuges não basta para a comprovação do implemento do lapso de dois anos de separação no divórcio direto. Deve o tabelião observar se o casamento foi realizado há mais de dois anos e a prova documental da separação, se houver, podendo colher declaração de testemunha, que consignará na própria escritura pública. Caso o notário se recuse a lavrar a escritura, deverá formalizar a respectiva nota, desde que haja pedido das partes neste sentido.

Não concordamos, data vênia, no entanto, quando o mesmo dispositivo não considera bastante a declaração dos divorciandos. Por que não? A afetividade faliu! Aliás, nos termos da própria Resolução, a testemunha é facultativa...ademais, muito mais relevante do que a simples análise de documentos é a palavra dos integrantes da relação afetiva que se exauriu. Vamos aguardar e ver como se posicionará a jurisprudência do Brasil...

Partilha de bens. A referida lei tornou a partilha de bens novamente obrigatória (como era na antiga Lei do Divórcio – art. 43)? Entendemos que não.

A partilha dos bens, referida pela nova lei, em nosso sentir, não deveria ser considerada obrigatória, pois, falida a afetividade, não haveria sentido em se impedir a dissolução da sociedade conjugal ou do próprio matrimônio, por força do patrimônio.

Ademais, deixa claro o art. 1581 do CC, ainda em vigor, que o divórcio poderá ser decretado sem que haja prévia partilha dos bens (na linha da antiga Súmula 197 do STJ).

Nada impede, portanto, que as partes ingressem, depois, com pedido judicial de partilha amigável, ou até mesmo, em caso de resistência de uma das partes, com ação de divisão.

Imposto. Antes de efetuar a partilha, outrossim, deve o notário redobrar a cautela quanto ao recolhimento do imposto devido (especialmente o ITCMD), além da respectiva taxa judiciária. Neste ponto, declarando o casal ser pobre, não poderá o tabelião deixar de efetuar a separação ou divorcio, entretanto, levará a conhecimento do Estado (certidão) para que o mesmo cobre.

Filhos menores. Um outro importante aspecto gira em torno dos filhos menores. Destacou o legislador, no caput do art. 1124-A, que a separação ou o divórcio, pela via administrativa, apenas será possível não havendo filhos menores ou incapazes do casal. Em princípio, entendemos a regra.

Considerando que o ato é lavrado sem a presença do órgão do MP e do Juiz, quer-se, com tal medida, evitar possível lesão ao interesse dos menores.

No entanto, com certa freqüência ocorrem situações em que, na separação e no divórcio, os direitos dos filhos permanecem inalterados, por já haverem sido reconhecidos e certificados em procedimento anterior (a exemplo da ação de alimentos ou de guarda, já definitivamente decidida ou julgada).

Ora, apresentando, o casal, ao tabelião, uma certidão comprobatória de tal circunstância, não haveria sentido em se impedir a lavratura do ato, na via administrativa. Até porque a guarda e os alimentos já podem ter sido decididos ou acordados!

Na mesma linha, como bem destacou Antônio Carlos Parreira (em texto publicado no http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9391), prejuízo inexistirá na simples conversão da separação judicial em divórcio:

"Mas e se os direitos indisponíveis dos filhos incapazes já estiverem judicialmente tutelados e as escrituras de separação e divórcio ratificarem as decisões judiciais, sem quaisquer alterações pelo casal? Qual o prejuízo para os filhos incapazes? Nenhum.

Assim, se for caso de mera conversão consensual de separação judicial em divórcio, no qual ficarão mantidas as cláusulas da separação relativas à guarda, direito de visita e pensão alimentícia dos filhos menores e maiores incapazes, obviamente que nenhum prejuízo poderá ocorrer para os filhos.

Nessa hipótese se foram prejudicados, tal se deu no processo judicial da separação e sob as barbas do Juiz de Direito e do Promotor de Justiça".

União Estável. Uma pergunta, em conclusão, merece ser feita: e como fica a união estável? Ora, posto a lei nada tenha dito a respeito, pensamos que nada impede a lavratura de dissolução de união estável, analogicamente, nos termos da nova lei. Mas reiteramos: a lei foi omissa.

Aliás, em defesa da nossa linha de pensamento, diríamos até que o Tabelião está mais acostumado a atender companheiros do que pessoas casadas, eis que já se habituou a lavrar contratos de convivência e os (polêmicos) contratos de namoro.

Processos novos e em curso. E, finalmente, como fica a aplicação desta lei em face de processos novos e de processos que já estejam em curso? Está se firmando o entendimento no sentido de que, para os novos processos, é facultativo, para os interessados, ingressarem na via administrativa. Aliás, no caso do divórcio ou da separação, pode até ser mais conveniente a instauração do processo, por conta do "segredo de justiça", inexistente nos atos notariais (por ser ato público).

Por outro lado, os processos em curso, considerando os atos procedimentais já realizados e o impulso oficial que os animou, devem ser julgados, facultando-se, todavia, às partes, recorrerem à via administrativa. Não pode, todavia, esta solução ser impositiva, em respeito ao próprio jurisdicionado, que aguardou – muitas vezes – anos a prolação da sentença e já recolheu as custas judiciais. Não nos afigura justo, em nosso pensar.


 

  1. UNIÃO HOMOAFETIVA

Ver DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: 2005, Livraria do Advogado.

OBS: No concurso colocar o termo homossexualidade (trata-se de um aspecto psíquico comportamental). O termo homossexualismo é uma antiga referencia patológica, cabendo mencionar que a OMS retirou-o do SIDE (catalogo internacional de doenças) desde 1979.

-    O transexualismo sim, é doença neurológica, catalogada, com o código SIDE F 64.0.

Correntes existentes no Brasil: Temos duas correntes no Brasil.

a) Trata-se de entidade familiar – O art. 226 da CF é uma norma geral de inclusão, não sendo admissível excluir-se uma relação estável calcada na afetividade (PAULO LOBO, Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira). Deve-se reconhecer direitos de família (alimentos) e sucessórios (herança). Segundo o professor esta corrente é a que se harmoniza com o sistema aberto da CF;

O próprio TSE consagrou este entendimento avançado: Registro de candidato. Candidatura ao cargo de prefeito. Relação estável homossexual com a prefeita reeleita do município. Inelegibilidade. (CF 14 § 7º). Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento. (TSE – Resp Eleitoral 24564 – Viseu/PA – Rel. Min. Gilmar Mendes – j. 01/10/2004).

b) Alvaro Vilaça: Trata-se de mera sociedade de fato, regida pela Direito Obrigacional (S. 380, STF). A despeito de o primeiro entendimento, que nós perfilhamos, estar desenvolvendo-se no Brasil, com decisões favoráveis de vários Tribunais, especialmente Rio Grande do Sul, o STJ, aparentemente, e por ora, tem seguido a linha tradicional:

RECURSO ESPECIAL. RELACIONAMENTO MANTIDO ENTRE HOMOSSEXUAIS. SOCIEDADE DE FATO. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE. PARTILHA DE BENS. PROVA. ESFORÇO COMUM. Entende a jurisprudência desta Corte que a união entre pessoas do mesmo sexo configura sociedade de fato, cuja partilha de bens exige a prova do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 648.763/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 07.12.2006, DJ 16.04.2007 p. 204)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA DE FILHO DE UMA DAS PARTES. GUARDA E RESPONSABILIDADE. IRRELEVÂNCIA. 1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações. 2. A existência de filho de uma das integrantes da sociedade amigavelmente dissolvida, não desloca o eixo do problema para o âmbito do Direito de Família, uma vez que a guarda e responsabilidade pelo menor permanece com a mãe, constante do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na sua falta, à outra caberá aquele munus, sem questionamento por parte dos familiares. 3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados - arts. 1º e 9º da Lei 9.278 de 1996, a homologação está afeta à vara cível e não à vara de família. 4. Recurso especial não conhecido. (RESP 502.995/RN, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 26.04.2005, DJ 16.05.2005 p. 353)

COMPETÊNCIA. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO, CUMULADA COM DIVISÃO DE PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA DE DISCUSSÃO ACERCA DE DIREITOS ORIUNDOS DO DIREITO DE FAMÍLIA. COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL. Tratando-se de pedido de cunho exclusivamente patrimonial e, portanto, relativo ao direito obrigacional tão-somente, a competência para processá-lo e julgá-lo é de uma das Varas Cíveis. Recurso especial conhecido e provido. (RESP 323.370/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 14.12.2004, DJ 14.03.2005 p. 340)

Recentemente, todavia, avançou no entendimento, embora não haja pacificado a tese de linha familiarista:

PENSÃO. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO.Trata-se de recurso interposto pelo INSS em que se discute se um companheiro homossexual temou não direito a receber pensão por morte como dependente de segurado falecido. A sentença julgou improcedente o pedido, extinguindo o processo. O MPF apelou da sentença, alegando que o § 3ºdo art. 226 da CF/1988 não exclui a união estável entre pessoas do mesmo sexo, devendo ser observado o princípio da igualdade. Apelou, ainda, o autor, e o Tribunal a quo deu provimento às apelações. Note-se que a matéria, na espécie, está afeta ao direito previdenciário e não ao de família. Isso posto, a Turma negou provimento ao recurso do INSS, confirmando a concessão do benefício,uma vez que preenchidas as exigências da Lei n. 8.213/1991, comprovadas a qualidade de segurado do de cujus e a convivência afetiva e duradoura (18 anos) entre o falecido e o autor. Outrossim,confirmou a legitimidade do MP para intervir no processo em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, a teor do art. 127 da CF/1988. Destacou o Min. Relator que, no § 3º do art. 16 da Lei 8.213/1991, pretendeu o legislador gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão da relação homoafetiva.

Ressaltou, ainda, que o próprio INSS regulou a matéria por meio da Instrução Normativa n.25/2000, com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender determinação judicial em medida liminar em ação civil pública com eficácia erga omnes, ao fundamento de garantir o direito de igualdade previsto na Constituição. Posteriormente, o INSS também dispôs sobre a matéria, editando nova instrução normativa (INSS/DC n. 50 de 8/5/2001), por força da mesma ação civil pública. REsp 395.904-RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 13/12/2005.

Já no STF, chama-nos a atenção a ADI 3300, em que se pode verificar o possível entendimento do culto Min, CELSO DE MELLO a respeito do tema, e que pode, talvez, traduzir o entendimento futuro da Corte:

ADI 3300 MC/DF*RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO EMENTA: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS. PRETENDIDA QUALIFICAÇÃO DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES. DOUTRINA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 9.278/96. NORMA LEGAL DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 1.723 DO NOVO CÓDIGO CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE, POR TAL RAZÃO, DA AÇÃO DIRETA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, DE OUTRO LADO, DE SE PROCEDER À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (CF, ART. 226, § 3º, NO CASO). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF). NECESSIDADE, CONTUDO, DE SE DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE PARA EFEITO DE SUA SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR: MATÉRIA A SER VEICULADA EM SEDE DE ADPF DECISÃO: A Associação da Parada do Orgulho dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo e a Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo - que sustentam, de um lado, o caráter fundamental do direito personalíssimo à orientação sexual e que defendem, de outro, a qualificação jurídica, como entidade familiar, das uniões homoafetivas - buscam a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei n 9.278/96, que, ao regular o § 3º do art. 226 da Constituição, reconheceu, unicamente, como entidade familiar, "a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (grifei). As entidades autoras da presente ação direta apóiam a sua pretensão de inconstitucionalidade na alegação de que a norma ora questionada (Lei nº 9.278/96, art. 1º), em cláusula impregnada de conteúdo discriminatório, excluiu, injustamente, do âmbito de especial proteção que a Lei Fundamental dispensa às comunidades familiares, as uniões entre pessoas do mesmo sexo pautadas por relações homoafetivas.

Impõe-se examinar, preliminarmente, se se revela cabível, ou não, no caso, a instauração do processo objetivo de fiscalização normativa abstrata. É que ocorre, na espécie, circunstância juridicamente relevante que não pode deixar de ser considerada, desde logo, pelo Relator da causa.

Refiro-me ao fato de que a norma legal em questão, tal como positivada, resultou derrogada em face da superveniência do novo Código Civil, cujo art. 1.723, ao disciplinar o tema da união estável, reproduziu, em seus aspectos essenciais, o mesmo conteúdo normativo inscrito no ora impugnado art. 1º da Lei nº 9.278/96.

Uma simples análise comparativa dos dispositivos ora mencionados, considerada a identidade de seu conteúdo material, evidencia que o art. 1.723 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) efetivamente derrogou o art. 1º da Lei nº 9.278/96:

Código Civil (2002) "Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."

Lei nº 9.278/96 "Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família."

Extremamente significativa, a tal respeito, a observação de CARLOS ROBERTO GONÇALVES ("Direito Civil Brasileiro – Direito de Família", vol. VI/536, item n. 3, 2005, Saraiva):

"Restaram revogadas as mencionadas Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96 em face da inclusão da matéria no âmbito do Código Civil de 2002, que fez significativa mudança, inserindo o título referente à união estável no Livro de Família e incorporando, em cinco artigos (1.723 a 1.727), os princípios básicos das aludidas leis, bem como introduzindo disposições esparsas em outros capítulos quanto a certos efeitos, como nos casos de obrigação alimentar (art. 1.694)." (grifei)

A ocorrência da derrogação do art. 1º da Lei nº 9.278/96 – também reconhecida por diversos autores (HELDER MARTINEZ DAL COL, "A União Estável perante o Novo Código Civil", "in" RT 818/11-35, 33, item n. 8; RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, "Comentários ao Novo Código Civil", vol. XX/3-5, 2004, Forense) – torna inviável, na espécie, porque destituído de objeto, o próprio controle abstrato concernente ao preceito normativo em questão. É que a regra legal ora impugnada na presente ação direta já não mais vigorava quando da instauração deste processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade.

O reconhecimento da inadmissibilidade do processo de fiscalização normativa abstrata, nos casos em que o ajuizamento da ação direta tenha sido precedido – como sucede na espécie – da própria revogação do ato estatal que se pretende impugnar, tem o beneplácito da jurisprudência desta Corte Suprema (RTJ 105/477, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RTJ 111/546, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – ADI 784/SC, Rel. Min. MOREIRA ALVES):

"Constitucional. Representação de inconstitucionalidade. Não tem objeto, se, antes do ajuizamento da argüição, revogada a norma inquinada de inconstitucional." (RTJ 107/928, Rel. Min. DECIO MIRANDA - grifei)

"(...) também não pode ser a presente ação conhecida (...), tendo em vista que a jurisprudência desta Corte já firmou o princípio (...) de que não é admissível a apreciação, em juízo abstrato, da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade de norma jurídica revogada antes da instauração do processo de controle (...)." (RTJ 145/136, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

Cabe indagar, neste ponto, embora esse pleito não tenha sido deduzido pelas entidades autoras, se se mostraria possível, na espécie, o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta com o objetivo de questionar a validade jurídica do próprio § 3º do art. 226 da Constituição da República.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de não admitir, em sede de fiscalização normativa abstrata, o exame de constitucionalidade de uma norma constitucional originária, como o é aquela inscrita no § 3º do art. 226 da Constituição:

"- A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompossível com o sistema de Constituição rígida.

- Na atual Carta Magna, 'compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição' (artigo 102, 'caput'), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição.

- Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação às outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida, por impossibilidade jurídica do pedido." (RTJ 163/872-873, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno - grifei)

Vale assinalar, ainda, a propósito do tema, que esse entendimento – impossibilidade jurídica de controle abstrato de constitucionalidade de normas constitucionais originárias – reflete-se, por igual, no magistério da doutrina (GILMAR FERREIRA MENDES, "Jurisdição Constitucional", p. 178, item n. 2, 4ª ed., 2004, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, "Constituição do Brasil Interpretada", p. 2.333/2.334, item n. 1.8, 2ª ed., 2003, Atlas; OLAVO ALVES FERREIRA, "Controle de Constitucionalidade e seus Efeitos", p. 42, item n. 1.3.2.1, 2003, Editora Método; GUILHERME PEÑA DE MORAES, "Direito Constitucional – Teoria da Constituição", p. 192, item n. 3.1, 2003, Lumen Juris; PAULO BONAVIDES, "Inconstitucionalidade de Preceito Constitucional", "in" "Revista Trimestral de Direito Público", vol. 7/58-81, Malheiros; JORGE MIRANDA, "Manual de Direito Constitucional", tomo I- I/287-288 e 290-291, item n. 72, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora).

Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social da matéria – cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais.

Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas (LUIZ EDSON FACHIN, "Direito de Família –Elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro", p. 119/127, item n. 4, 2003, Renovar; LUIZ SALEM VARELLA/IRENE INNWINKL SALEM VARELLA, "Homoerotismo no Direito Brasileiro e Universal – Parceria Civil entre Pessoas do mesmo Sexo", 2000, Agá Juris Editora, ROGER RAUPP RIOS, "A Homossexualidade no Direito", p. 97/128, item n. 4, 2001, Livraria do Advogado Editora – ESMAFE/RS; ANA CARLA HARMATIUK MATOS, "União entre Pessoas do mesmo Sexo: aspectos jurídicos e sociais", p. 161/162, Del Rey, 2004; VIVIANE GIRARDI, "Famílias Contemporâneas, Filiação e Afeto: a possibilidade jurídica da Adoção por Homossexuais", Livraria do Advogado Editora, 2005; TAÍSA RIBEIRO FERNANDES, "Uniões Homossexuais: efeitos jurídicos", Editora Método, São Paulo; JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, "A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica", "in" "Revista da AJURIS" nº 88, tomo I, p. 224/252, dez/2002, v.g.).

Cumpre referir, neste ponto, a notável lição ministrada pela eminente Desembargadora MARIA BERENICE DIAS ("União Homossexual: O Preconceito & a Justiça", p. 71/83 e p. 85/99, 97, 3ª ed., 2006, Livraria do Advogado Editora), cujas reflexões sobre o tema merecem especial destaque:

"A Constituição outorgou especial proteção à família, independentemente da celebração do casamento, bem como às famílias monoparentais. Mas a família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido como entidade familiar. A prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características.

Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou de conteúdo meramente religioso. Essa responsabilidade de ver o novo assumiu a Justiça ao emprestar juridicidade às uniões extra-conjugais. Deve, agora, mostrar igual independência e coragem quanto às uniões de pessoas do mesmo sexo. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso. Assim, impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafetiva. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independente do sexo dos parceiros, fazem jus à mesma proteção.

Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetivas - como já fez a maioria dos países do mundo civilizado -, incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade. (...)." (grifei)

Vale rememorar, finalmente, ante o caráter seminal de que se acham impregnados, notáveis julgamentos, que, emanados do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acham-se consubstanciados em acórdãos assim ementados:

"Relação homoerótica – União estável – Aplicação dos princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade – Analogia – Princípios gerais do direito – Visão abrangente das entidades familiares – Regras de inclusão (...) – Inteligência dos arts. 1.723, 1.725 e 1.658 do Código Civil de 2002 – Precedentes jurisprudenciais. Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas." (Apelação Cível 70005488812, Rel. Des. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, 7ª Câmara Civil - grifei)

"(...) 6. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas. 7. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal (na qual, sem sombra de dúvida, se inclui a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. 8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais. 9. A aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial – em alguns países de forma mais implícita – com o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras já existentes; em outros de maneira explícita, com a modificação do ordenamento jurídico feita de modo a abarcar legalmente a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo. 10. O Poder Judiciário não pode se fechar às transformações sociais, que, pela sua própria dinâmica, muitas vezes se antecipam às modificações legislativas. 11. Uma vez reconhecida, numa interpretação dos princípios norteadores da constituição pátria, a união entre homossexuais como possível de ser abarcada dentro do conceito de entidade familiar e afastados quaisquer impedimentos de natureza atuarial, deve a relação da Previdência para com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos moldes das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos primeiros o mesmo que se exige dos segundos para fins de comprovação do vínculo afetivo e dependência econômica presumida entre os casais (...), quando do processamento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão." (Revista do TRF/4ª Região, vol. 57/309-348, 310, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira - grifei)

Concluo a minha decisão. E, ao fazê-lo, não posso deixar de considerar que a ocorrência de insuperável razão de ordem formal (esta ADIN impugna norma legal já revogada) torna inviável a presente ação direta, o que me leva a declarar extinto este processo (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175), ainda que se trate, como na espécie, de processo de fiscalização normativa abstrata (RTJ 139/67), sem prejuízo, no entanto, da utilização de meio processual adequado à discussão, "in abstracto" – considerado o que dispõe o art. 1.723 do Código Civil –, da relevantíssima tese pertinente ao reconhecimento, como entidade familiar, das uniões estáveis homoafetivas. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 03 de fevereiro de 2006. Ministro CELSO DE MELLO Relator

Por fim, lembrando MARIA BRAUNER (in Direitos Fundamentais do Direito de Família, coordenado por Belmrio Welter e Rolf Madaleno, Livraria do Advogado, 2004, págs. 267-268): "A aceitação recente da união afetiva entre iguais no âmbito do Direito de Família representa uma nova face do conceito de cidadania, transpondo a barreira do interdito, buscando a afirmação da diferença a partir da manifestação da liberdade de expressão e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade".


 

  1. COMENTÁRIOS AO ART. 1647

Para esposa é a autorização uxória. Para o marido é a autorização marital.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery afirmam que separação absoluta é a convencional. Note-se que, mesmo casados no regime de participação final nos aquestos, a anuência do outro cônjuge faz-se necessária (ressalvado, claro, suprimento judicial ou se os cônjuges houverem dispensado a necessidade de outorga, no pacto antenupcial – art. 1.656, CC).

Todavia, a indeterminação do termo "absoluta" poderá, sem dúvida, dar margem a mais de um entendimento, em doutrina.

Art. 1647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

OBS: Francisco Cahali afirma, juntamente com respeitável parcela da doutrina que a sessão de direitos hereditários também exige autorização do cônjuge.

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

Trata-se do litisconsórcio.

III - prestar fiança ou aval;

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.

Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.

Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento público, ou particular, autenticado.

Art. 1.650. A decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros.

Observação quanto a Sumula 332 do STJ, referente à fiança prestada pelo cônjuge: "A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia"(13.03.2008). Quando a esposa ou marido não dá a anuência ou outorgar uxória torna-se ineficaz a garantia. É totalmente ineficaz. Ponto para os devedores. Desse modo, não tem aplicabilidade os artigos supra quanto ao suprimento.


 

  1. REGIMES DE BENS

Conceito. Trata-se do estatuto patrimonial do casamento, regido pelos princípios da liberdade de escolha, da variabilidade e da mutabilidade.

Referencia legislativa. A partir do art. 1639 do CC.

Art. 1639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.

§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

    PRINCÍPIOS

-    Principio da variabilidade. No Brasil temos um sistema variado de regime de bens. Não temos um regime único. Temos a comunhão parcial, a comunhão universal, o regime de separação de bens (legal e convencional), participação final nos aquestos. Este ultimo é criticado pela doutrina, por ser complicado.

OBS: Não se tem mais o regime dotal.

-    Principio da liberdade de escolha. Em regra tem-se liberdade de escolha do regime de bens (1639).

-    Principio da mutabilidade. Apesar de ser novo no CC, Orlando Gomes já o defendia em sua obra. O regime de bens pode ser modificado no curso do casamento.

No entanto, o pedido de mudança deve ser conjunto (jurisdição voluntária), não existindo a jurisdição contenciosa para tal.

O juízo competente é a vara de família, por causa do status do casamento.

Esta mudança não pode prejudicar terceiros, razão pela qual, tem que ser registrado a sentença que declara a mudança do casamento junto ao cartório de registro civil, de imóveis e se qualquer um dos dois for empresário, na junta comercial.

P: A Sentença que autoriza a mudança tem efeitos ex nunc ou ex tunc? R: Respeitados os direitos de terceiros, a sentença opera ex tunc, posto que aproveita o patrimônio anterior e re-partilha (o patrimônio já existia) – Segue esta linha: Luiz Felipe Brasil Santos, Sergio Pereira: "A sentença que altera o regime de bens opera efeito ex tunc – retroativos portanto. Hoje esta posição encontra-se pacificado no STJ (este já firmou entendimento no sentido da possibilidade de pessoas casadas antes do CC poderem alterar o regime de bens Resp 730.546MG).

    PACTO ANTENUPCIAL

É um contrato, formal e solene levado ao registro público e condicionado ao casamento.

O enunciado 331 da 4ª Jornada, nos lembra a possibilidade de se mesclar em regras de regime de bens diversos no pacto antenupcial.

Nº 331.

Art. 1.639: O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial.

    REGIME LEGAL SUPLETIVO

É o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.

    REGIME LEGAL OBRIGATÓRIO

Art. 1641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II - da pessoa maior de sessenta anos;

Trata-se de um inciso inconstitucional. Rodrigo da Cunha Pereira afirma que se trata de uma interdição. Quem pode afirmar que a idade é causa de falta de capacidade?

Veja o enunciado da Jornada de Direito Civil: Nº 125.

Proposição sobre o art. 1.641, inc. II:

- Redação atual: "da pessoa maior de sessenta anos".

- Proposta: revogar o dispositivo.

- Justificativa: "A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectativa de vida com qualidade, que se tem alterado drasticamente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses"

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Também padece de macula da inconstitucionalidade. Pelos argumentos supra, acrescentado com a possibilidade de, atingindo a maioridade, teriam que ingressar com ação para mudar o regime de bens querido.


 

    MUDANÇA DE REGIME DE BENS E DIREITO INTERTEMPORAL

CIVIL - REGIME MATRIMONIAL DE BENS - ALTERAÇÃO JUDICIAL - CASAMENTO OCORRIDO SOB A ÉGIDE DO CC/1916 (LEI Nº 3.071) - POSSIBILIDADE - ART. 2.039 DO CC/2002 (LEI Nº 10.406) - CORRENTES DOUTRINÁRIAS - ART. 1.639, § 2º, C/C ART. 2.035 DO CC/2002 - NORMA GERAL DE APLICAÇÃO IMEDIATA. 1 - Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art. 2.039 do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral, constante do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal, vedada nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF/88, mas, ao revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em aplicação de norma geral com efeitos imediatos. 2 - Recurso conhecido e provido pela alínea "a" para, admitindo-se a possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob o pálio do CC/1916, determinar o retorno dos autos às instâncias ordinárias a fim de que procedam à análise do pedido, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002. (REsp 730.546/MG, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 23.08.2005, DJ 03.10.2005 p. 279)


 


 

  1. REGIME DE BENS EM ESPÉCIE

  2. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS (art. 1658 e ss)

Conceito. O regime da comunhão parcial adota como critério geral a comunicabilidade dos bens adquiridos onerosamente no curso do casamento por um ou ambos os cônjuges.

Art. 1659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

OBS: O STJ tem precedente no sentido de que credito trabalhista deve ser incluído na partilha.


    CRÉDITOS TRABALHISTAS

Por fim, vale mencionar que o STJ tem sustentado que, em caso de separação do casal, créditos trabalhistas devem ser incluídos na partilha dos bens (ver RESP. 421.801 – RS). A questão é polêmica, no Código novo, que exclui da comunhão parcial e da universal "proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge" – arts. 1659, VI e 1668, V c/c o 1659, VI). Sustentou o relator, Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, no julgado mencionado, que "para a maioria dos casais brasileiros, os bens se resumem à renda mensal familiar. Se tais rendas forem tiradas da comunhão, esse regime praticamente desaparece". Ao nosso ver, trata-se de uma decisão contra legem (feita uma interpretação social).

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Art. 1660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual(ex: loteria), com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Art. 1661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento.

P: Cumprindo promessa de compra e venda anteriormente ao casamento (pagamento integral). Onde o bem (no campo dominial) foi adquirido no curso do casamento. Integra? Não. Bens adquiridos por causa anterior ao casamento não entram na comunhão parcial. Quitando a promessa de compra e venda antes do casamento não integra ao regime. Outrossim, as parcelas pagas no curso do pagamento, o outor cônjuge terá direito a metade do que foi pago.

Art. 1662. No regime da comunhão parcial, presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior.

Art. 1663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges.

§ 1º As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido.

§ 2º A anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns.

§ 3º Em caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir a administração a apenas um dos cônjuges.

Art. 1664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal.

Art. 1665. A administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial.

Art. 1666. As dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns.


 

  1. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS (art. 1667 e ss)

Conceito. Invocando a doutrina de Arnaldo Rizzardo, na comunhão universal de bens ocorre uma fusão quase completa do patrimônio pessoal e dos bens adquiridos no curso do casamento, conforme as regras dos artigos 1667 e seguintes:

Art. 1667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

Veja esta jurisprudência: EMBARGOS DE TERCEIRO. DIREITO À MEAÇÃO DA ESPOSA. Não tendo a Embargante se desincumbido do encargo probatório de que desempenhasse atividade profissional ou tivesse economia própria, e ante a ausência de prova no sentido de que o produto da atividade empresarial, da qual o marido era sócio, foi usufruído pela sociedade conjugal e em benefício da família, os bens comuns respondem pelo crédito trabalhista, a teor do disposto no artigo 1.667 do Código Civil. (TRT 03ª R.; AP 00384-2007-091-03-00-0; Segunda Turma; Rel. Juiz Márcio Flávio Salem Vidigal; Julg. 23/10/2007; DJMG 31/10/2007)

    Art. 1668. São excluídos da comunhão:

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Art. 1669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.

Art. 1670. Aplica-se ao regime da comunhão universal o disposto no Capítulo antecedente, quanto à administração dos bens.

Art. 1671. Extinta a comunhão, e efetuada a divisão do ativo e do passivo, cessará a responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro.


 

  1. REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS

É escolhida no pacto antenupcial.

Conceito. Na separação convencional haverá patrimônio exclusivo administração pessoal de cada cônjuge sem formação de patrimônio comum ou necessidade de outorga uxória.

Art. 1687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.

Art. 1688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

OBS: Em caso de regime de separação obrigatória de bens. A jurisprudência brasileira, por meio da sumula 377 mitigou a dureza do regime de separação obrigatória admitindo-se a comunicabilidade dos bens aquestos (adquiridos na Constancia do casamento).

Em nosso sentir, "separação absoluta" deve ser entendido como separação convencional, ou seja, escolhida no pacto antenupcial (nesse sentido, NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, SP, RT, 2002).

Isso porque, na obrigatória, é mais razoável exigir-se a outorga, considerando-se a necessidade de se beneficiar ou proteger o outro cônjuge, tal como se dá por aplicação da S. 377, STF: Súmula nº 377. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. Aplica-se o principio da comunhão parcial (não é a própria comunhão parcial). A sumula 377 do STF aplica-se ao regime de separação legal e não convencional.

  1. REGIME DA PARTICIPAÇÃO FINAL DOS AQUESTOS

O grande jurista Clovis do Couto e Silva queria que este regime fosse o regime legal supletivo em lugar da comunhão parcial.

Este regime foi criado na Costa Rica e adotado em países como Alemanha, Espanha, França e Argentina. E hoje é disciplinado no Brasil a partir do art. 1672.

Dentre os regimes de bens, a novidade foi o da participação final nos aquestos, inexistente na legislação anterior.

É um regime híbrido ou misto, pois na vigência da sociedade conjugal temos as regras da separação total de bens, com livre administração pelos cônjuges. Porém, com a dissolução da sociedade conjugal ou pela morte, ou pelo divórcio, ou pela separação judicial, ou mesmo em caso de nulidade, voltamos a ter o regime de comunhão parcial de bens, pois as partes passam a ter direito sobre a metade de todos os bens.

Neste novo regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio (como no regime da separação), cabendo, todavia, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento (art. 1672). Embora se assemelhe com o regime da comunhão parcial, não há identidade, uma vez que, neste último, entram também na comunhão os bens adquiridos por apenas um dos cônjuges, e, da mesma forma, determinados valores, havidos por fato eventual (a exemplo do dinheiro proveniente de loteria).

No regime de participação final, por sua vez, apenas os bens adquiridos a título oneroso, por ambos os cônjuges, serão partilhados, quando da dissolução da sociedade, permanecendo, no patrimônio pessoal de cada um, todos os outros bens que cada cônjuge, separadamente, possuía ao casar, ou aqueles por ele adquiridos, a qualquer título, no curso do casamento.

Trata-se de um regime de regramento bastante complexo que, provavelmente, não irá "pegar" no Brasil.

Pode haver fraude, onde um dos cônjuges pode "esconder" bens do casal adquiridos a titulo oneroso. Difere da comunhão parcial porque nesta, a aquisição de bens adquiridos por um cônjuge será dividido, ao passo que os aquestos tem que ser por ambos. A idéia é parecida com a sumula do 377, só que com regras específicas, complexas, que só um contador poderá apurar o montante.

P: No regime de participação final há a necessidade de outorga uxória?R:De acordo com o art. 1647, o único regime que não se aplica é o de separação de bens. Em regra, todavia, quem é casado no regime de participação final tem de colher a outorga nas hipóteses do art. 1647, a exemplo da venda de apartamento, ressalvado a previsão do art. 1656: "No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares".

P: cabe ação monitória no direito de família? R: Existe posição na doutrina admitindo possibilidade (revista IBDFAM 22 – Fabiana e Teobaldo Spengler) de ação monitória no direito de família. Ex: crédito prescrito de alimentos.

Art. 1672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

Art. 1673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento.

Parágrafo único. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis.

Art. 1674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:

I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;

II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;

III - as dívidas relativas a esses bens.

Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.

Art. 1675. Ao determinar-se o montante dos aqüestos, computar-se-á o valor das doações feitas por um dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro; nesse caso, o bem poderá ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da dissolução.

Art. 1676. Incorpora-se ao monte o valor dos bens alienados em detrimento da meação, se não houver preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar.

Art. 1677. Pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro.

Art. 1678. Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge.

Art. 1679. No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma quota igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido.

Art. 1680. As coisas móveis, em face de terceiros, presumem-se do domínio do cônjuge devedor, salvo se o bem for de uso pessoal do outro.

Art. 1681. Os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome constar no registro.

Parágrafo único. Impugnada a titularidade, caberá ao cônjuge proprietário provar a aquisição regular dos bens.

Art. 1682. O direito à meação não é renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial.

Art. 1683. Na dissolução do regime de bens por separação judicial ou por divórcio, verificar-se-á o montante dos aqüestos à data em que cessou a convivência.

Art. 1684. Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não proprietário.

Parágrafo único. Não se podendo realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e, mediante autorização judicial, alienados tantos bens quantos bastarem.

Art. 1685. Na dissolução da sociedade conjugal por morte, verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida neste Código.

Art. 1686. As dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros.


 

  1. GUARDA DE FILHOS

Conceito. A guarda, decorrência do poder parental, traduz um conjunto de direitos e obrigações em face da criança ou adolescente especialmente de natureza material e moral.

Historicamente, no direito brasileiro, a guarda sempre fora deferida unilateralmente, prevalecendo o direito da mãe, em caso de culpa de ambos os cônjuges.

O critério da culpa, no entanto, não é o melhor em uma perspectiva constitucional. Recentemente, entrou em vigor a lei que regula a guarda compartilhada ou conjunta (Lei n. 11698 de 2008), modalidade especial em que pais e mães dividem a responsabilidade de condução da vida do filho, conjuntamente, sem prevalência de qualquer dos genitores.

Claro está que se trata de uma salutar modalidade de guarda a ser adotada quando os pais mantêm bom relacionamento, e segundo sempre o interesse existencial da criança ou do adolescente.

Não havendo acordo, o juiz deverá ter redobrada cautela, pois a eventual imposição desta medida poderá resultar em grave prejuízo à prole, por conta do mau relacionamento dos pais.

Penso, aliás, que a medida será muito mais recomendável nas separações e divórcios consensuais. A base constitucional deste arranjo familiar é o art. 226 § 5° da CF, que estabelece a igualdade entre os cônjuges.

Fundamentalmente temos quatro tipos de guarda:

  1. Unilateral: É uma guarda exclusiva, seja do pai ou mão, cabendo ao outro o direito de visitas. Não existe primazia do sexo feminino, por conta do principio da isonomia.


     

  2. Bilateral ou guarda conjunta ou guarda compartilhada: Não existe exclusividade, a guarda é exercida simultaneamente entre o pai e a mãe. Trata-se de uma co-responsabilidade. Waldir Grisard Filho. Não se trata de uma guarda exclusiva. Este tipo de guarda é muito utilizado nos EUA. Tem-se aplicação do princípio da isonomia.


     

  3. Guarda alternada: É uma variação da guarda unilateral. Nesta, o pai ou a mãe alternam períodos de guarda exclusiva. Muita gente confunde com a guarda compartilhada (nesta não há exclusividade). Ex: De janeiro a julho o filho fica com a mãe e o pai com o direito de visitas, de agosto a dezembro alterna-se.


     

  4. Nidação: Neste ultima modalidade a criança fica no mesmo domicilio de maneira que os pais alternam período de convivência.


 

Novidade: Confira o novo diploma, que alterou as regras de guarda no Código Civil, consagrando a nova modalidade acima referida:

LEI Nº 11.698, DE 13 JUNHO DE 2008.

Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

II – saúde e segurança;

III – educação.

§ 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.

OBS: Com esse artigo, fica mais claro ainda que a responsabilidade é de ambos os pais, mesmo aquele que não detenha a guarda, mitigando por via de conseqüência a jurisprudência do STJ quando a responsabilidade de apenas um dos cônjuges.

§ 4o (VETADO)." (NR)

"Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. CONCURSO DE MAGISTRATURA – OBRIGAÇÃO DO JUIZ.

§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

O Juiz não pode obrigar a guarda compartilhada quando não for possível. Ex: Pais que se odeiam, onde há risco perene; à luz da proporcionalidade e razoabilidade, o juiz não pode obrigar a guarda compartilhada.

O juiz pode obrigar, quando por exemplo, casais educados de fino trato, onde não brigam, mas também não abrem mão da guarda. Com ajuda de equipe psico-social supervisionando o casal por certo período de tempo.

§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.

§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.

§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade." (NR)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua publicação.

Brasília, 13 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

José Antonio Dias Toffoli

Este texto não substitui o publicado no DOU de 16.6.2008


 

  1. CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES SOBRE ALIMENTOS

Conceito. Com base no princípio da solidariedade familiar, os alimentos consistem nas prestações que um parente, cônjuge ou convivente fornece ao outro, visando à sua mantença de uma vida digna.

Não trataremos aqui, por não ser objeto do módulo de família, da pensão indenizatória paga à vítima (ou sucessores) do ato ilícito.

Alimentos tem base, ou no casamento, ou na união estável ou no parentesco.


 


 

    CARACTERÍSTICAS

Irrenunciabilidade, intransmissibilidade, impenhorabilidade, incompensabilidade (lembrar que a cobrança da prestação em atraso submete-se a prazo prescricional de dois anos, a teor do art. 206, parágrafo segundo do CC – 02).


 

    CLASSIFICAÇÃO

a)
civis ou côngruos – trata-se da verba alimentar que visa a manter o alimentando em toda a sua dimensão existencial, abrangendo não apenas os alimentos em si, mas educação, lazer, saúde etc.;

b) naturais ou necessários – trata-se dos alimentos básicos, circunscritos à subsistência do alimentando;

c) provisórios – são fixados liminarmente, no bojo do procedimento especial da Lei de Alimentos;

d) provisionais (arts. 852 a 854, CPC) – trata-se de medida cautelar, com o escopo de fixar a pensão alimentícia;

e) definitivos – são fixados na sentença da ação de alimentos (e, dada a natureza da prestação, podem ser revistos, caso haja mudança no binômio capacidade-necessidade.


 

ALIMENTOS ENTRE PARENTES

Não houve, nesse particular, grandes mudanças no tratamento da disciplina:

Art. 1696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Art. 1697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

Art. 1698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

Esta previsão de litisconsórcio passivo servirá especialmente para atingir os avós. No interior tem sido muito comum a demanda intentada contra eles, por serem titulares de uma obrigação complementar.

Além do mais, têm proventos certos (INSS etc.) Mas lembre-se de que a obrigação dos avós é, apenas, complementar à obrigação dos pais.

OBS: Os alimentos pagos pelos avos traduzem uma obrigação complementar à dos pais.


 

    ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES

Segundo CAHALI (em excelente texto publicado na obra O Direito de Família e o Novo Código Civil, Ed. Del Rey), o STF firmou a tese da irrenunciabilidade (S. 379), embora o STJ, nos últimos anos, haja abrandado este entendimento.

O NCC, todavia, mantém o posicionamento do STF, em seu art. 1707:

Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

Até quando persiste a obrigação de pagar alimentos no casamento (ou união estável)? R: Na mesma linha, firmando forte jurisprudência, é bom que se lembre que novo casamento ou união estável do credor, exonera o alimentante (TJRS – AC 598497600 e 70000881508), na forma do próprio CC, inclusive no caso do concubinato (impuro):

Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.

Para o STJ, no entanto, o namoro não extingue o direito aos alimentos:

DIREITO DE FAMÍLIA. CIVIL. ALIMENTOS. EX-CÔNJUGE. EXONERAÇÃO. NAMORO APÓS A SEPARAÇÃO CONSENSUAL. DEVER DE FIDELIDADE. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. I - Não autoriza exoneração da obrigação de prestar alimentos à ex-mulher o só fato desta namorar terceiro após a separação. II - A separação judicial põe termo ao dever de fidelidade recíproca. As relações sexuais eventualmente mantidas com terceiros após a dissolução da sociedade conjugal, desde que não se comprove desregramento de conduta, não têm o condão de ensejar a exoneração da obrigação alimentar, dado que não estão os ex-cônjuges impedidos de estabelecer novas relações e buscar, em novos parceiros, afinidades e sentimentos capazes de possibilitar-lhes um futuro convívio afetivo e feliz. III - Em linha de princípio, a exoneração de prestação alimentar, estipulada quando da separação consensual, somente se mostra possível em uma das seguintes situações: a) convolação de novas núpcias ou estabelecimento de relação concubinária pelo ex-cônjuge pensionado, não se caracterizando como tal o simples envolvimento afetivo, mesmo abrangendo relações sexuais; b) adoção de comportamento indigno; c) alteração das condições econômicas dos ex-cônjuges em relação às existentes ao tempo da dissolução da sociedade conjugal. (RESP 111.476/MG, Rel. MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25.03.1999, DJ 10.05.1999 p. 177)

Questão das mais tormentosas, por sua vez, é a discussão da culpa, no juízo de família, eis que, o NCC manteve a regra de que o reconhecimento deste elemento anímico acarreta, como regra geral, a perda do direito aos alimentos:

Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694.


 

Outrossim, nos termos no art. 1707, não se admite a renuncia aos alimentos.


 

    ALIMENTOS NECESSÁRIOS

P: O que se entende por alimentos necessários?R: São aqueles alimentos básicos. Não são a regra. A regra é que os aliemntos civis são amplos (envolve comida, saúde, lazer, etc). Os alimentos necessários são aparecidos no CC: 1704.

A grande dificuldade está, pois, em se fixar o conceito de culpa. Afastando-se, pois, da moderna tendência de objetivação das relações jurídicas, o que justificaria a substituição do elemento culpa pelo elemento necessidade, o NCC culminou por consagrar um dispositivo de certa forma complexo, e de grande impacto social:

Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.

Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurálos, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Trata-se de uma norma nitidamente assistencial, que melhor seria compreendida, se a exigência da análise da culpa fosse evitada.


 

    ALIMENTOS NA UNIÃO ESTÁVEL

Não houve, no Código Civil, preocupação em disciplinar o direito dos conviventes em dispositivo explicito, de maneira que lhes são aplicáveis os dispositivos retro mencionados, referentes ao casamento, mutatis mutandis.

Vale, no entanto, a jurisprudência do STJ:

Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Alimentos. União estável. 1. Esclareceu o Tribunal que a relação estável entre as partes, durante mais de 20 (vinte) anos e da qual resultaram três filhos, restou fartamente comprovada, tendo o vínculo afetivo terminado em 1995. Para casos como o presente, o entendimento da Corte consolidou-se quanto ao cabimento da pensão alimentícia, mesmo que fosse rompida a convivência antes da Lei nº 8.971/94. 2. A circunstância de ser o recorrente casado não altera esse entendimento, pois, além de estar separado de fato, as provas dos autos evidenciam, de forma irrefutável, a existência de união estável, a dependência econômica da agravada e a conseqüente obrigação de prestar alimentos. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 598.588/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21.06.2005, DJ 03.10.2005 p. 242)


 

     O PROBLEMA DA PRISÃO CIVIL NOS ALIMENTOS

Já tratamos da prisão civil no módulo de obrigações, mas vale a pena rever esta importante súmula:

S. 309 - O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.

E veja esta outra importante decisão, também do STJ, impeditiva de aplicação da Lei de Execução Penal no âmbito da prisão civil, uma vez que possuem fundamentos diversos:

HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA. CUMPRIMENTO DA PENA. ESTABELECIMENTO PRISIONAL. REGIME SEMI-ABERTO. LEI DE EXECUÇÕES PENAIS. INAPLICABILIDADE. PRISÃO DOMICILIAR. IDADE AVANÇADA E SAÚDE PRECÁRIA. - Em regra, não se aplicam as normas da Lei de Execuções Penais à prisão civil, vez que possuem fundamentos e natureza jurídica diversos. - Em homenagem às circunstâncias do caso concreto, é possível a concessão de prisão domiciliar ao devedor de pensão alimentícia. (HC 35.171/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 03.08.2004, DJ 23.08.2004 p. 227)


 

  1. PARENTESCO

Segundo Caio Mario, a relação de parentesco é a mais importante e constante relação humana.

Com base no pensamento de MARIA HELENA DINIZ, poderíamos dizer que o parentesco é a relação vinculatória não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre o cônjuge ou companheiro e os parentes do outro e entre adotante a adotado (Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família, Ed. Saraiva). Na mesma linha, poderá haver parentesco nas relações nascidas da socioafetividade no campo da filiação.

O parentesco poderá ser:

a) natural ou consangüíneo; é a relação que vincula pessoas que descendem do mesmo tronco comum.

b) por afinidade e; é aquele regulado no art. 1595 e que vincula um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro. OBS: cônjuge e companheiros não são parentes entre si. Na linha reta vai até o infinito, na linha colateral vai até o cunhado.

OBS: "Concunhado" é invenção brasileira, porque não existe tecnicamente relação de parentesco entre parentes por afinidade.

c) civil. Ex: adoção; reprodução humana assistida como por exemplo inseminação artificial.

Entendemos, ademais, estar mantido o entendimento do STJ que não reconhece dever de alimentar entra parentes por afinidade:

ALIMENTOS A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DECORRE DA LEI, NÃO SE PODENDO AMPLIAR A PESSOAS POR ELA NÃO CONTEMPLADOS. INEXISTE ESSE DEVER EM RELAÇÃO A NORA 23.08.1993 p. 16575)


 

    PODER FAMILIAR

Trata-se de um verdadeiro munus, consistente em um conjunto de poderes (direitos e deveres), exercitáveis em prol do interesse existencial dos filhos. Este poder familiar não se mantém em face de filhos maiores e capazes.

A esse respeito, leia-se interessante julgado do STJ:

Habeas Corpus. Internação involuntária em clínica psiquiátrica. Ato de particular. Ausência de pro- vas e/ ou indícios de perturbação mental. Constrangimento ilegal delineado. Binômio poder-dever familiar. Dever de cuidado e proteção. Limites. Extinção do poder familiar. Filha maior e civilmente capaz. Direitos de personalidade afetados. - É incabível a internação forçada de pessoa maior e capaz sem que haja justificativa proporcional e razoável para a constrição da paciente. - Ainda que se reconheça o legítimo dever de cuidado e proteção dos pais em relação aos filhos, a internação compulsória de filha maior e capaz, em clínica para tratamento psiquiátrico, sem que haja efetivamente diagnóstico nesse sentido, configura constrangimento ilegal. Ordem concedida. (HC 35.301/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03.08.2004, DJ 13.09.2004 p. 231)


 

    RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES AFETIVAS

Trata-se de tema bastante polêmico, e que ganhou fôlego com a disciplina dos direitos da personalidade, inaugurada pelo CC de 2002.

Sem pretender esgotar o raio da abrangência da matéria, poderíamos centrar o nosso esforço analítico na:

a) resp. civil no casamento e na união estável;

b) resp. civil por abandono afetivo na filiação.

Sobre a primeira situação, o STJ já se pronunciou a respeito:

Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento. 1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor. 2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação. 3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais. (RESP 37.051/SP, Rel. Ministro NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.04.2001, DJ 25.06.2001 p. 167)

Já o abandono afetivo na filiação, poderá, em nosso sentir, autorizar a aplicação dos princípios da responsabilidade civil, sem que isso signifique a "monetarização" da relação de afeto.

Assim pensamos desde que se entenda que a indenização imposta ao pai ou mãe que abandona o seu filho, em franco desrespeito ao dever legal de educação (que pressupõe amor) consiste em uma resposta que o novo Direito Civil dá, manifestando repulsa a este tipo de comportamento, violado do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Trata-se, em nosso sentir, de especial aplicação da teoria do desestímulo. A função da indenização teria condão eminentemente pedagógico.

Infelizmente, no entanto, o STJ negou a aplicação da teoria (a matéria deverá ser submetida ao STF):

RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 757.411/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29.11.2005, DJ 27.03.2006 p. 299)

DIREITO CIVIL. PÁTRIO PODER. DESTITUIÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. POSSIBILIDADE. ART. 395, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL C/C ART. 22 DO ECA. INTERESSES DO MENOR. PREVALÊNCIA. - Caracterizado o abandono efetivo, cancela-se o pátrio poder dos pais biológicos. Inteligência do Art. 395, II do Código Bevilacqua, em conjunto com o Art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Se a mãe abandonou o filho, na própria maternidade, não mais o procurando, ela jamais exerceu o pátrio poder. (REsp 275.568/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 18.05.2004, DJ 09.08.2004 p. 267)

Mas, nesse contexto, em se mantendo a posição do STJ, fica a pergunta: a perda do poder familiar imposta ao pai que ignora moral e espiritualmente a sua prole seria, para ele, uma sanção ou um favor?...

Vamos refletir sobre isso...

Em conclusão, vale registrar que o professor GUILHERME DE OLIVEIRA, autoridade internacional em Direito de Família, analisando o tema, conclui: "Embora não haja jurisprudência clara sobre o assunto, suponho, julgo que é aceitável defender que o abandono afetivo – quer se traduza em descumprimento dos deveres jurídicos, quer integrados no poder parental e que provoque danos não-patrimoniais na pessoa do filho – pode dar lugar à obrigação de indenizar. Como em qualquer outra ação de responsabilidade civil, é preciso provar o descumprimento, a culpa, o dano e a causalidade" (Boletim iBDFAM 4 – Setembro/Outubro de 2006).


 

  1. FILIAÇÃO

Em primeira ordem deve ser partir do principio da igualdade dos filhos. O princípio que deve nortear o nosso estudo é o da igualdade dos filhos, contemplado no art. 227,§6° da CF. Não há, pois, mais espaço para a distinção entre família legítima e ilegítima.

Tremos dois tipos de reconhecimento: Voluntário e Judicial

  1. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO

As formas de reconhecimento voluntário aplicam-se aos filhos havidos fora do casamento, eis que os matrimoniais são presumidamente "filhos do marido" (ver art. 1.597, CC).

O reconhecimento voluntário, na forma do art. 1609, CC, pode se dar:

I - no registro do nascimento;

II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

O reconhecimento voluntário é ato solene, espontâneo, irrevogável, incondicional e personalíssimo (no sentido de que não pode alguém - por exemplo, meu pai - reconhecer filho meu por mim, embora admita-se que o faça procurador com poderes especiais – art. 59 da LRP).

Se o menor é relativamente capaz, entendemos não ser necessária assistência do seu representante para o ato de reconhecimento, por se tratar de mero reconhecimento de fato (nascimento). Ademais, por se tratar de ato jurídico em sentido estrito (o reconhecimento), não interfere, para a sua ocorrência, o aspecto da capacidade, por não se tratar de um negócio jurídico (Marcos Mello)

Se é absolutamente incapaz, concordamos com MARIA BERENICE DIAS no sentido de se instaurar procedimento perante o juiz da Vara de Registros Públicos, com a participação do MP (art. 109, LRP) (ver a sua excelente obra Manual de Direito das Famílias, Livraria do Advogado, 2005, pág. 351).

Nascituro. Admite-se, outrossim, o reconhecimento do nascituro (antes, portanto, do nascimento com vida).

OBS: É possível, ainda, como visto na leitura do artigo acima, o reconhecimento de filhos falecidos, se eles deixaram descendentes (para evitar reconhecimento interesseiro).

OBS²: Importante mencionar, ainda, que, se, no ato do registro, a genitora indicar o nome do pai do seu filho, instaura-se, na forma da Lei n. 8.560/92, uma espécie de sindicância ou procedimento oficioso, para a apuração do fato, podendo resultar na propositura de ação investigatória, caso não tenha havido reconhecimento espontâneo.

    FILHO MENOR RECONHECIDO

Ponto importante a se destacar diz respeito ao consentimento do filho menor reconhecido. Seria este imperioso, como o é na adoção de adolescentes maiores de 12 anos? Nada impede que o juiz ouça o adolescente, embora o CC não estabeleça esta exigência. A vontade, no entanto, não é vinculativa.

    FILHO MAIOR

Filhos maiores, por sua vez, devem consentir no reconhecimento, a teor do art. 1.614 do CC:

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

O filho menor, por sua vez, poderá ingressar, após atingir a maioridade ou a sua emancipação, com ação de impugnação de reconhecimento. Trata-se, em nosso sentir, do exercício de um direito potestativo que, pela lei, submete-se a prazo decadencial de quatro anos.

Entretanto, à luz do princípio da veracidade da filiação, há entendimento no sentido do descabimento deste prazo, como já se decidiu no STJ:

DIREITO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESCRIÇÃO. ARTS. 178, § 9º, VI, E 362, DO CÓDIGO CIVIL. ORIENTAÇÃO DA SEGUNDA SEÇÃO. É imprescritível o direito de o filho, mesmo já tendo atingido a maioridade, investigar a paternidade e pleitear a alteração do registro, não se aplicando, no caso, o prazo de quatro anos, sendo, pois, desinfluentes as regras dos artigos 178, § 9º, VI e 362 do Código Civil então vigente. Precedentes. Recurso especial provido. (RESP 601997/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14.06.2004, DJ 01.07.2004 p. 194)

Esse mesmo entendimento poder-se-ia aplicar ao Código Civil de 2002, ressalvada a hipótese de já se haver consolidado a filiação sócio-afetiva, tema abordado abaixo, caso em que a relação filial já não pode mais ser desconstituída, em nosso sentir.

  1. RECONHECIMENTO JUDICIAL

Noções Gerais. O reconhecimento judicial do vínculo de paternidade ou maternidade, dá-se especialmente por meio de ação investigatória.

Outras ações, todavia, não menos importantes, e também regidas pelo superior princípio da veracidade, são admitidas em nosso sistema, a exemplo das ações:

-    anulatória de registro (caso em que o sujeito alega ter incorrido em erro ao registrar filho imaginando seu);

-    declaratória de falsidade (em geral também reivindicatória de paternidade);

-    negatória de paternidade (caso em que o marido nega a paternidade do filho nascido da sua esposa), etc.

OBS: Todas elas, aliás, em geral, consideradas imprescritíveis, à luz do princípio da veracidade da filiação. Trata-se de posições doutrinárias.

Na maioria das vezes, por meio dessas ações, discute-se a filiação genética, embora nada impeça também a discussão da filiação sócio-afetiva, em nosso pensar. Mais comum entre todas essas ações é a investigatória de paternidade (diz-se, quanto à maternidade, que esta é sempre certa, o que não é totalmente correto, pois poderá haver, sim, interesse na propositura desta ação, a exemplo da hipótese de troca de bebês em hospital).

Por vezes, a jurisprudência, não acolhendo a teoria da filiação sócio-afetiva, analisada abaixo, admite a ação de anulação do registro, como podemos ver neste recente julgado:

AÇÃO ANULATÓRIA. PATERNIDADE. VÍCIO. CONSENTIMENTO. O Tribunal a quo, com base no resultado de exame de DNA, concluiu que o ora recorrente não é o pai biológico da recorrida. Assim, deve ser julgado procedente o pedido formulado na ação negatória de paternidade, anulando-se o registro de nascimento por vício de consentimento, pois o ora recorrente foi induzido a erro ao proceder ao registro da criança, acreditando tratar-se de sua filha biológica. Não se pode impor ao recorrente o dever de assistir uma criança reconhecidamente destituída da condição de filha. REsp 878.954-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/5/2007.

  1. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

É uma ação declaratória, imprescritível, á luz do princípio da verdade material. (art. 27 do ECA).

Têm legitimidade ativa para a propositura desta ação: o alegado filho (investigante) ou o MP. Inclusive o filho adotado, entendeu o STJ, poderá manejar a investigatória, para pesquisar a denominada "verdade biológica":

AGRAVO REGIMENTAL. ADOTADO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. POSSIBILIDADE. - A pessoa adotada não é impedida de exercer ação de investigação de paternidade para conhecer sua verdade biológica. - Inadmissível recurso especial que não ataca os fundamentos do acórdão recorrido. - Não há ofensa ao Art. 535 do CPC se, embora rejeitando os embargos de declaração, o acórdão recorrido examinou todas as questões pertinentes. (AgRg no Ag 942.352/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 19.12.2007, DJ 08.02.2008 p. 1)

A legitimidade passiva, por sua vez, é do pai ou dos seus herdeiros (se a investigatória é post mortem), não sendo legitimado o espólio.

Por outro lado, é bom lembrar que, se é discutida a paternidade declarada no registro (ex.: CAIO ingressa com ação investigatória em face de TICIO, supostamente seu pai, embora o seu registro de nascimento houvesse sido feito por MEVIO), o "pai registrário" deve integrar a lide como litisconsorte do investigado. Interessante notar ainda - uma vez que a finalidade última da presente actio é a busca da verdade real - que a lei permite a qualquer pessoa, provado legítimo interesse, contestá-la:

Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.


 

É personalíssimo o direito do filho, podendo os seus sucessores continuarem a demanda:

Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.

Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.

P: Cabe a investigatória de relação avoenga? R: Nos termos do art. 1606, o direito de investigar paternidade é personalíssimo, mas o STJ tem mitigado esta regra, para admitir que netos possam investigar a relação com o Avô (STJ AR 336 RS; Resp 604.154 RS).

No que tange à instrução probatória, esta admite todos os meios lícitos de prova, salientando-se, por óbvio, a realização do exame de DNA (este é o mais importante). A seu respeito, veja este interessante julgado do STJ:

Direito civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade. Exame pericial (teste de DNA) em confronto com as demais provas produzidas. Conversão do julgamento em diligência. - Diante do grau de precisão alcançado pelos métodos científicos de investigação de paternidade com fulcro na análise do DNA, o valoração da prova pericial com os demais meios de prova admitidos em direito deve observar os seguintes critérios: (a) se o exame de DNA contradiz as demais provas produzidas, não se deve afastar a conclusão do laudo, mas converter o julgamento em diligência, a fim de que novo teste de DNA seja produzido, em laboratório diverso, com o fito de assim minimizar a possibilidade de erro resultante seja da técnica em si, seja da falibilidade humana na coleta e manuseio do material necessário ao exame; (b) se o segundo teste de DNA corroborar a conclusão do primeiro, devem ser afastadas as demais provas produzidas, a fim de se acolher a direção indicada nos laudos periciais; e (c) se o segundo teste de DNA contradiz o primeiro laudo, deve o pedido ser apreciado em atenção às demais provas produzidas. Recurso especial provido. (RESP 397.013/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11.11.2003, DJ 09.12.2003 p. 279).

Quanto a este exame, embora exista entendimento no sentido de se admitir condução coercitiva, mais forte é a tese de que a negativa do réu, calcada na proteção dos direitos da personalidade, culminará na presunção juris tantum da paternidade que se quer provar. Nesse sentido, a S. 301 do STJ:

"Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade".

Em abono deste entendimento, vide, também os arts. 231 e 232 do CC:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

A causa de pedir na investigatória é apenas a relação sexual, havendo o novo código dispensado, corretamente, o rol de fundamentos constantes no art. 363 do Estatuto Civil anterior.

FICADA É INDÍCIO DA PATERNIDADE: Nesse ponto, interessante registrar que o STJ, em acórdão da lavra da Min. NANCY ANDRIGHI firmou entendimento no sentido de que "existência de relacionamento casual, hábito hodierno que parte do simples 'ficar', relação fugaz, de apenas um encontro, mas que pode garantir a concepção" é apto a firmar a presunção de paternidade (REsp 557.365/RO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07.04.2005, DJ 03.10.2005 p. 242).


 

O foro competente para a investigatória é o do domicílio do réu.

Entretanto, caso haja cumulação com pedido de alimentos, desloca-se para o domicílio do autor (S. 1 do STJ). Se houver cumulação com petição de herança, o foro competente, em nosso sentir é o juízo do inventário.

Na sentença, ao julgar procedente o pedido, o juiz deverá fixar os alimentos devidos ao autor, podendo fazê-lo até de ofício, a teor do art. 7°, Lei n. 8.560/92, segundo o entendimento que perfilhamos.

A admissibilidade dos alimentos provisórios é polêmica, embora haja entendimento a respeito (TJRS, AI 70009149071).

Finalmente, cumpre-nos lembrar que o termo inicial para cobrança dos alimentos é a citação, a teor da S. 277 do STJ, apesar de entendimentos contrários como Maria Berenice que diz que o correto é da concepção (esta seria a melhor posição, pois a mãe tem gastos desde a concepção):

"S. 277, STJ. Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação".
(DJU 16.6.2003)

Ainda quanto aos efeitos da sentença, vale salientar que o STJ tem dispensado pedido autônomo de cancelamento do registro (falso), por considerar este como conseqüência direta da procedência da demanda investigatória:

Processo civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade. Registro em nome de terceiro. Cumulação de pedidos contra réus diversos. Possibilidade. Aditamento da inicial. - A ação de investigação de paternidade independe do prévio ajuizamento da ação de anulação de registro, cujo pedido é apenas conseqüência lógica da procedência da demanda investigatória. Precedentes. - A pretensão concomitante de ver declarada a paternidade e ver anulado o registro de nascimento não configura cumulação de pedidos, mas cumulação de ações. - É possível o aditamento da inicial para inclusão do litisconsorte unitário. Precedentes. - Em demanda objetivando a declaração de paternidade e anulação de registro, o suposto pai biológico e aquele que figura como pai na certidão de nascimento devem ocupar, em litisconsórcio unitário, o pólo passivo. Recurso especial não conhecido. (RESP 507.626/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05.10.2004, DJ 06.12.2004 p. 287)


 

    MUTABILIDADE DOS EFEITOS DA COISA JULGADA

A título de conclusão, um importante ponto que deve ser destacado é no sentido de que a doutrina e jurisprudência pátrias têm admitido a MUTABILIDADE DOS EFEITOS DA COISA JULGADA, na investigatória, especialmente quando a demanda é julgada improcedente por falta de provas (ou mesmo quando houver procedência, sem exame de DNA).

Tal entendimento, pois, viabiliza a rediscussão do decisum, que não transitará materialmente em julgado em determinadas situações (quando ausente a produção do exame de DNA).

LEMBRE-SE: havendo recusa de DNA e provado ser pai, não cabe ao pai pedir exame para tentar mitigar a prova – verine contra factum próprio.

Nesse sentido, já se posicionou o próprio STJ, admitindo ação rescisória para desconstituir julgado anterior:

AÇÃO RESCISÓRIA - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DE DNA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO - POSSIBILIDADE - FLEXIBILIZAÇÃO DO CONCEITO DE DOCUMENTO NOVO NESSES CASOS. SOLUÇÃO PRÓ VERDADEIRO "STATUS PATER". - O laudo do exame de DNA, mesmo posterior ao exercício da ação de investigação de paternidade, considera-se "documento novo" para aparelhar ação rescisória (CPC, art. 485, VII). É que tal exame revela prova já existente, mas desconhecida até então. A prova do parentesco existe no interior da célula. Sua obtenção é que apenas se tornou possível quando a evolução científica concebeu o exame intracitológico. (RESP 300.084/GO, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28.04.2004, DJ 06.09.2004 p. 161)

Na mesma linha, tendo havido trânsito em julgado da primeira sentença que concluiu pela improcedência da investigatória, sem a realização do exame de DNA, o STJ também admitiu o ajuizamento de uma nova ação:

PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, "sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza" na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, "a coisa julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade". IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum. (RESP 226436/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 28.06.2001, DJ 04.02.2002 p. 370)

E mais recentemente, leia-se o seguinte julgado:

Direito processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade com pedido de alimentos. Coisa julgada. Inépcia da inicial. Ausência de mandato e inexistência de atos. Cerceamento de defesa. Litigância de má-fé. Inversão do ônus da prova e julgamento contra a prova dos autos. Negativa de prestação jurisdicional. Multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC. - A propositura de nova ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos, não viola a coisa julgada se, por ocasião do ajuizamento da primeira investigatória – cujo pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas –, o exame pelo método DNA não era disponível tampouco havia notoriedade a seu respeito. - A não exclusão expressa da paternidade do investigado na primitiva ação investigatória, ante a precariedade da prova e a insuficiência de indícios para a caracterização tanto da paternidade como da sua negativa, além da indisponibilidade, à época, de exame pericial com índices de probabilidade altamente confiáveis, impõem a viabilidade de nova incursão das partes perante o Poder Judiciário para que seja tangível efetivamente o acesso à Justiça. - A falta de indicação do valor da causa não ofende aos arts. 258 e 282, inc. V, do CPC, ante a ausência de prejuízo às partes, sobressaindo o caráter da instrumentalidade do processo. - Sanado o defeito com a devida regularização processual, não há que se alegar ausência de mandato e inexistência dos atos praticados. - Não há cerceamento de defesa quando, além de preclusa a questão alegada pela parte, impera o óbice da impossibilidade de se reexaminar fatos e provas em sede de recurso especial. - A ausência de dolo exclui a possibilidade de declaração de litigância de má-fé. - Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade (Súmula 301/STJ). - Não existe violação ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem apreciou todas as questões relevantes para o deslinde da controvérsia, apenas dando interpretação diversa da buscada pela parte. - Inviável em sede de recurso especial a análise de alegada violação a dispositivos constitucionais. Recurso especial não conhecido. (REsp 826.698/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06.05.2008, DJ 23.05.2008 p. 1) Com isso, concluímos pela possibilidade de, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da identidade, se poder rediscutir o julgado.

  1. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA

Em um primeiro momento, vivia-se, no Brasil, a fase da paternidade legal ou jurídica, calcada simplesmente em uma presunção (é "filho" do marido aquele "concebido por sua esposa").

Tal presunção ainda é presente (art. 1597, CC), posto não goze mais do mesmo prestigio, não sendo absoluta, especialmente por conta do surgimento do exame de DNA.

Num segundo momento, com o exame de DNA, passamos a viver a fase da paternidade científica ou biológica (pai seria aquele reconhecido como doador do material genético pela ciência). Seguindo essa premissa o juiz não seria apenas um homologador de DNA?.

Mas será que, ser pai ou mãe é, simplesmente, gerar ou conceber? Admite-se, pois, nessa linha de evolução, nos dias de hoje, a paternidade do coração, denominada sócio-afetiva, construída ao longo dos anos, e calcada em valores e sentimentos (paternidade ou maternidade de criação).

Fala se fala em "desbiologização do direito de família" (Pioneiro no assunto: JOÃO BATISTA VILELA- início da década de 1980). Trata-se, pois, de uma das mais belas teses desenvolvidas pelo Direito de Família nos últimos anos, e que já começa a ganhar força até mesmo no STJ:

FILIAÇÃO. ANULAÇÃO OU REFORMA DE REGISTRO. FILHOS HAVIDOS ANTES DO CASAMENTO, REGISTRADOS PELO PAI COMO SE FOSSE DE SUA MULHER. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA HÁ MAIS DE QUARENTA ANOS, COM O ASSENTIMENTO TÁCITO DO CÔNJUGE FALECIDO, QUE SEMPRE OS TRATOU COMO FILHOS, E DOS IRMÃOS. FUNDAMENTO DE FATO CONSTANTE DO ACÓRDÃO, SUFICIENTE, POR SI SÓ, A JUSTIFICAR A MANUTENÇÃO DO JULGADO. - Acórdão que, a par de reputar existente no caso uma "adoção simulada", reporta-se à situação de fato ocorrente na família e na sociedade, consolidada há mais de quarenta anos. Status de filhos. Fundamento de fato, por si só suficiente, a justificar a manutenção do julgado. Recurso especial não conhecido. (RESP 119346/GO, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 01.04.2003, DJ 23.06.2003 p. 371)

A paternidade sócio-afetiva é construída ao longo do tempo com base em valores e com base no afeto.

E mais recentemente, em Santa Catarina:

Sentença reconhece paternidade/maternidade sócio-afetiva fundada na posse de estado de filho Reconhecimento de paternidade/maternidade sócio afetiva, fundada na posse de estado de filho. Esta a síntese de interessante sentença proferida na 2ª Vara Cível da comarca de Xanxerê (SC).

O julgado - sujeito a recurso de apelação no TJ-SC - reconheceu a C.M.N. a condição de filha de R.B. e C.B., que a haviam "adotado", sem processo judicial de adoção, nem a lavratura de qualquer escritura pública. O julgado, acompanhando a tendência da doutrina moderna, reconheceu que "hoje a filiação está fundamentada muito mais na condição sócio-afetiva do que em elementos de caráter biológico ou jurídico".

A sentença determina, ainda, a anulação da partilha havida quando do falecimento da mãe "adotante", em que deixou de se incluir a autora da ação como herdeira. O juiz reconhece, ainda, à requerente, todos os direitos hereditários, em igual condições com os filhos naturais do casal.

Na parte dispositiva, o juiz da causa reconhece "a existência da maternidade/paternidade sócio-afetiva alegada e, via de conseqüência, declaro ser a autora filha afetiva de R.B. e C.B., reconhecendo em seu favor, por igual, todos os direitos inerentes à tal condição, vedada qualquer espécie de discriminação".

A sentença também declara "nula a partilha procedida nos autos da ação de inventário (nº 783/1996), dos bens deixados pelo falecimento de C.B., que tramitou perante o juízo da 1ª Vara desta comarca, devendo nova divisão de bens ser procedida, contemplando-se a autora como herdeira, na qualidade de descendente, em igualdade de condições com os demais contemplados, atribuindo-se-lhe quinhão exatamente igual".

Essa parte dispositiva alcança o viúvo (pai "adotante") e cinco outros herdeiros, que também foram réus da ação.

O advogado Erlon Fernando Ceni de Oliveira (OAB-PR nº 21.549) atua em nome da autora da ação. Já há recurso de apelação dos réus interposto ao TJ de Santa Catarina. (Proc. nº 080.04.002217- 0). Data: 13.07.2006: Fonte: www.espacovital.com.br

OBS: Já há quem defenda a investigação de paternidade sócio-afetiva. A sentença irá declarar como se fosse pai, como qualquer outro.

Quando há o cometimento de crime, não se pode logicamente reconhecer o vinculo daquele que usurpou a criança (ex: do caso Pedrinho).

  1. PATERNIDADE ALIMENTAR

Conceito. Trata-se de uma construção doutrinária relativamente nova que, sem menoscabar a sócio-afetividade, visa a permitir a mantença da obrigação alimentar em face do pai biológico (genitor) caso o pai afetivo não disponha de condições financeiras adequadas.

Sobre o tema, escreve ROLF MADALENO:

"Em tempos de verdade afetiva e de supremacia dos interesses da prole, que não pode ser discriminada e que tampouco admite romper o registro civil da sua filiação social já consolidada, não transparece nada contraditório estabelecer nos dias de hoje a PATERNIDADE MERAMENTE ALIMENTAR. Nela, o pai biológico pode ser convocado a prestar sustento integral ao seu filho de sangue, sem que a obrigação material importe em qualquer possibilidade de retorno à sua família natural, mas que apenas garanta o provincial efeito material de assegurar ao filho rejeitado vida digna, como nas gerações passadas, em que ele só podia pedir alimentos do seu pai que era casado e o rejeitara. A grande diferença e o maior avanço é que hoje ele tem um pai de afeto, de quem é filho do coração, mas nem por isso libera o seu procriador da responsabilidade de lhe dar o adequado sustento no lugar do amor. É a dignidade em suas duas versões" (Revista Brasileira de Direito de Família – n. 37, 2006, pág. 148)


 

OBS: Ver: PL 3220/2008 visa implementar no Brasil o chamado parto anônimo – direito a mãe, ao entregar o seu filho para a adoção, permanecer desconhecida. Visitar o site: www.ibdefam.com.br , este tema será enfrentado e outro curso.


 


 

  1. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES AFETIVAS ou de FAMILIA

Dano moral é simplesmente lesão a direito da personalidade. No bojo familiar, é perfeitamente aplicável, por isso que não se pode negar.

Guilherme de Oliveira. Um dos mais respeitados no assunto, inclusive na Europa.

Trata-se de uma questão das mais relevantes. O professor Rui Rosado, verificou que países como Espanha, França, Portugal e Argentina reconhecem essa forma de responsabilização. Na Alemanha verifica-se certa resistência. O fato é que na tendência do direito comparado á admitir.

No Brasil, se trata de uma matéria nova, mesmo que inserida com o advento da CF que protege os direitos da personalidade (dignidade da pessoa humana), sendo que somente em 05 anos anteriores é que começou a sua discussão doutrinária.

O próprio projeto de reforma do CC pretende consolidar os princípios da responsabilidade civil.

Considerando o alguns acórdãos antigos reconheciam a responsabilidade civil dentro das relações conjugais. Resp. 37051 SP, onde admitiu-se dano moral no casamento.

Hoje é possível pedir separação cumulada com pedido de indenização por dano moral. A base é a principiologia constitucional protetiva dos direitos da personalidade, bem como os deveres legais impostos ao cônjuge ou companheiro.

Trata-se de tema bastante polêmico, e que ganhou fôlego com a disciplina dos direitos da personalidade, inaugurada pelo CC de 2002.

Sem pretender esgotar o raio da abrangência da matéria, poderíamos centrar o nosso esforço analítico na:

a) resp. civil no casamento e na união estável;

b) resp. civil por abandono afetivo na filiação.

Sobre a primeira situação, o STJ já se pronunciou a respeito:

Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento. 1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor. 2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação. 3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais. (RESP 37.051/SP, Rel. Ministro NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.04.2001, DJ 25.06.2001 p. 167)

Já o abandono afetivo na filiação, poderá, em nosso sentir, autorizar a aplicação dos princípios da responsabilidade civil, sem que isso signifique a "monetarização" da relação de afeto.

Assim pensamos desde que se entenda que a indenização imposta ao pai ou mãe que abandona o seu filho, em franco desrespeito ao dever legal de educação (que pressupõe amor) consiste em uma resposta que o novo Direito Civil dá, manifestando repulsa a este tipo de comportamento, violador do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Trata-se, em nosso sentir, de especial aplicação da teoria do desestímulo. A função da indenização teria condão eminentemente pedagógico.

Abaixo, no tópico "textos complementares", não deixe de ler o excelente texto de GISELDA HIRONAKA a respeito do tema.

Mas, nesse contexto, em se mantendo a posição do STJ, fica a pergunta: a perda do poder familiar imposta ao pai que ignora moral e espiritualmente a sua prole seria, para ele, uma sanção ou um favor?...

Vamos refletir sobre isso...

Adultério, recusa a pratica de sexo, sexo anormal e infidelidade são causas de dano moral.

Abandono afetico na filiação. Em conclusão, vale registrar que o professor GUILHERME DE OLIVEIRA, autoridade internacional em Direito de Família, analisando o tema, conclui:

"Embora não haja jurisprudência clara sobre o assunto, suponho, julgo que é aceitável defender que o abandono afetivo – quer se traduza em descumprimento dos deveres jurídicos, quer integrados no poder parental e que provoque danos não-patrimoniais na pessoa do filho – pode dar lugar à obrigação de indenizar. Como em qualquer outra ação de responsabilidade civil, é preciso provar o descumprimento, a culpa, o dano e a causalidade" (Boletim iBDFAM 4 – Setembro/Outubro de 2006)

Tereza Antonia Lopes diz que temos que ter o cuidado de não monetarializar o direito de família.

A responsabilidade civil tem a função social, pedagógica, para que se coadune ao pai ou mãe a ser responsabilizado pelo abandono afetivo. Qual é pior, o dano material, onde pode ser recuperado co trabalho ou o abandono afetivo? É preciso que se diga que o caso mais emblemático que chegou ao STJ por meio do Resp. 757.411 MG e STF RE 22.995 (em sede de admissibilidade por agravo) de prenome Alexandre (precedente no Tribunal Superiores) – estamos aguardando o posicionamento do STF quanto a responsabilidade social do pai à luz dos princípios civis-constitucionais em nosso ordenamento jurídico.

Infelizmente, no entanto, o STJ negou a aplicação da teoria (a matéria deverá ser submetida ao STF), amparado pela fundamental conseqüência da perda do poder familiar:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 757.411/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29.11.2005, DJ 27.03.2006 p. 299)

DIREITO CIVIL. PÁTRIO PODER. DESTITUIÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. POSSIBILIDADE. ART. 395, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL C/C ART. 22 DO ECA. INTERESSES DO MENOR. PREVALÊNCIA. - Caracterizado o abandono efetivo, cancela-se o pátrio poder dos pais biológicos. Inteligência do Art. 395, II do Código Bevilacqua, em conjunto com o Art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Se a mãe abandonou o filho, na própria maternidade, não mais o procurando, ela jamais exerceu o pátrio poder. (REsp 275.568/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 18.05.2004, DJ 09.08.2004 p. 267)

Pagar alimento, como muitos os fazem não tem nada a ver com relação ao abandono afetivo.


 

Responsabilidade Civil na Relação Paterno-Filial

Giselda Hironaka (www.ibdfam.com.br)

1. Primeiras palavras O enfrentamento do presente tema – que me foi especialmente deferido, neste conclave, pela conhecidíssima e eterna gentileza de nosso Presidente, o Dr. Rodrigo da Cunha Pereira – descortinou para mim, ao tempo em que me dediquei a imaginar como construir esta exposição, um panorama tão variado e rico, que não tenho hoje nenhuma dúvida de que se trata de mais um daqueles assuntos que não se esgotam, que não auto-desenham os seus próprios limites, mas, ao contrário, oferecem de modo contínuo e incessante, ao pesquisador, ao estudioso e ao operador do direito, um fabuloso manancial de aspectos que podem ser sempre e sempre percorridos, sem o risco do esgotamento da seiva profícua que o vivifica.

Pessoalmente, na minha atividade acadêmica, tenho dedicado muita atenção e grande esforço de pesquisa à volta da temática da responsabilidade civil, mormente esta conhecida como indireta, da qual se diz ora ser uma responsabilidade subjetiva – por culpa presumida – ora se tende a dizer ser uma responsabilidade objetiva, por se lhe conferir cada vez menos o ônus probatório da culpa. Estou a me referir à responsabilidade dos pais pelos danos causados pelos seus filhos menores, conforme é a regra da Lei Civil que ainda vige, o Código de 1916, em seu art. 1521, especialmente.

Tem me sensibilizado, igualmente, nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.

Mas, dizia-lhes antes, o descortinamento do tema, conforme minha concepção, permitiu-me logo verificar que havia um estreitamento na temática que me fora presenteada, de sorte que a preocupação com a responsabilidade deveria cingir-se à civil e, sob este viés, deveria decorrer dos laços familiares que matizam a relação paterno-filial.

Ora, assim visualizado o tema, impôs-se, prontamente, para mim, esta idéia de que deveria tratá-lo sob as tintas da responsabilidade civil propriamente dita, costurando os conceitos – tão conhecidos, para mim e para tantos dos senhores – da urgência da reparação do dano, da re-harmonização patrimonial da vítima, do interesse jurídico desta, sempre prevalente, mesmo à face de circunstâncias danosas oriundas de atos dos juridicamente inimputáveis...

E não me satisfiz com esta idealização estrutural, já bem formatada na minha mente.

Pensei ainda mais e concluí que a insatisfação vinha de um fato muito simples: se íamos nos reunir em Congresso de Direito de Família, certamente a pujança do tema deveria – como o sadio ramo de trigo que se enverga ao ritmo do vento, mas não se quebra – inclinar-se para um outro lado e suscitar outra ordem de inquietações, além daquelas (importantíssimas igualmente, não resta dúvida)

que se condensa na preocupação com a vítima – quer a vítima de danos produzidos por filhos menores e indenizáveis pelos seus pais, quer a vítima consolidada na pessoa do próprio filho, pela violação de seus direitos de personalidade, principalmente – na recuperação de sua normalidade patrimonial ou moral, como instrumento de superior categoria e valoração, endereçado à mantença da dignidade da pessoa humana.

Pensei então que seria adorável e certamente oportuno revirar os alicerces mais profundos do assunto para trazer à tona as inquietações, as dúvidas, as questões que nem sempre são do interesse imediato do direito, mas que são, indubitavelmente, a sua raiz mediata. Melhor de tudo, pensei, esta busca, ainda que significativamente difícil para mim, revelaria aquela nova maneira de se procurar desvendar e descrever o fenômeno jurídico a partir de sua interface com os fenômenos não-jurídicos que o antecedem.

Este é, senhores, o rico caminho da interdisciplinaridade, que admite – a um agrupamento de pessoas como este nosso de hoje, sob as dobras da diversidade de pensamento, de linhas e de construções científicas, dobras essas que caracterizam e personificam o IBDFAM – que nos sentemos uns ao lado dos demais, sociólogos, antropólogos, psicólogos, filósofos e homens do direito. Sem castelos ou prisões. Sem moldes pré-estruturados e estratificados. Mas absolutamente abertos à contemplação da vida como ela é, e atentos aos contornos do caminho que leva à realização pessoal e plena de cada um dos homens, enquanto membro do grupo familiar que o abriga e guarda.

E a inquietação intrigante que se encontrava presa dentro de mim, emergiu e expandiu-se, desdobrando-se na mais singela das perguntas: Por que impõe-se – e repercute no Direito de Família – a responsabilidade advinda da relação paterno-filial?

Em que bases extra-jurídicas estariam assentadas as razões, as justificativas e os fundamentos da imposição de tal dever?

Poderia, acaso, a filosofia fornecer alguma base para a discussão da responsabilidade civil na relação paterno-filial? Poderia, acaso, a psicologia adequadamente explicar qual o liame existente entre pais e filhos, que seja capaz de gerar e de justificar a concretude desta responsabilização, à face de terceiros, mas – e principalmente – à face deles próprios, um em ralação ao outro?

Sim, certamente sim, do mesmo modo como outros segmentos de apreciação e formulação do conhecimento humano, como a antropologia, como a sociologia, e como todas as demais persecuções científicas que tenham por objeto de interesse imediato o homem e sua circunstância relacional humana.

E assim, sob este desenho pré-jurídico, sob esse matiz fundante, sob esta inquietação acerca da raiz, decidi mudar o curso de minha apreciação, a qual lhes trago hoje, deixando-a sob suas mais que competentes considerações e críticas.

2. O arco filosófico da circunstância relacional humana, entre pais e filhos. Levando o conceito de responsabilidade civil para suas bases mais longínquas, que o confundem com o termo genérico da responsabilidade, e o dever clássico da prestação do devido, a filosofia, por exemplo, tem sim, muito que dizer.

Basicamente, ela tem muito que dizer sobre essa responsabilidade na relação entre pais – ou só o pai, ou só a mãe – e filhos, sempre que a idéia de família estiver presente ou for o centro das suas questões.

Há, a propósito, uma longa história do conceito de família na própria história da filosofia, além da história das instituições civis. E essa é uma história que vem desde os gregos – portanto, desde o início da filosofia ocidental – e que se confunde muitas vezes com a própria filosofia política, com o próprio pensamento em torno do direito e das sociedades.

Já de uma forma muito sofisticada, o tema da família aparece nessa ligação com a política justamente no pensamento político de Aristóteles, quando, em sua Política, apresenta uma explicação da pólis (cidade) como sendo uma associação de várias associações menores, das quais a originária é a família.

A cidade, antes de ser uma reunião de poderes, de instituições, de leis, é uma associação de famílias. Essa concepção aristotélica da cidade como uma reunião de famílias, célebre na história da filosofia política, não prosseguiu, todavia, com grande repercussão desde a Idade Média.

A partir do longo período medieval, a concepção da vida política se verá derivada, em especial, das próprias instituições e da presença efetiva de certos poderes ou autoridades, perdendo-se de certa forma a idéia grega de que a cidade é uma grande família. Mais do que isso, quer no período medieval, quer nos períodos subseqüentes (em especial naquele em que se desenvolve o jus-naturalismo moderno), será possível encontrar longas considerações jurídicas a respeito do que a família é ou deva ser.

Mas há algo na concepção aristotélica que é fundamental, que talvez não convenha esquecer, mesmo quando se desviar a atenção para as concepções mais modernas. Trata-se do seguinte, resumindo este aspecto: Por que a cidade é uma associação máxima que resulta da reunião de outras associações que resultam, por sua vez, da reunião de associações menores que são, enfim, as famílias? Porque, justamente, a família é uma associação natural humana (como a cidade, de certa forma, será de maneira mais complexa), onde as relações dentro dessa associação são naturalmente determinadas. O que permitiria, assim, conceber não só a família, não só a cidade, mas qualquer associação, é a sua condição de elo de ligações naturais.

Há, bem sabe e lembra Aristóteles, vários tipos diferentes de associações, e conseqüentemente vários tipos diferentes de cidades, de famílias e de comunidades de toda ordem. A conseqüência é que, se for o caso de tentar uma classificação dos tipos de cidade ou dos tipos de família, isso só será possível se for definido um critério para a tipologia.

Esse critério é buscado por Aristóteles para a classificação das cidades; e é encontrado não como critério único, mas como critério duplo: primeiro, uma cidade pode ser governada por um só, por poucos ou por muitos; segundo, o governo pode ser puro ou corrompido. Conseqüência: há seis tipos de cidades – três tipos puros (monarquia, o governo de um só; aristocracia, o governo de poucos; politéia, o governo de muitos) e três tipos impuros, corrompidos, que são correspondentes às três formas puras (respectivamente: tirania, oligarquia e democracia).

E para a família? Diferentemente do que ocorre com a cidade, para o caso da família não há critério que permita sua classificação em vários modelos puros; existem, certamente, vários tipos de família, no sentido de que há famílias com diferenciados números de componentes, que se beneficiam ou não de servos, propriedades, etc. Mas, diferente do que ocorre com a cidade (onde o poder pode estar na mão de um só, ou não), no caso da família o comando familiar está sempre nas mãos dos pais, e para certas funções está exclusivamente em poder do pai. Em outras palavras: em Aristóteles, assim como em toda a tradição grega, é um consenso entre os autores a idéia de que são os pais que têm autoridade sobre seus filhos, e que é o marido que tem autoridade sobre sua esposa (ou suas esposas).

Por que essa autoridade masculina, paterna e marital? Porque ela é, como toda autoridade, uma autoridade natural, segundo a visão filosófica de Aristóteles.

Ora, segundo a concepção clássica, então, será por uma necessidade natural humana que os filhos devam obedecer aos pais e a mulher deva obediência ao marido. Se a família antiga, assim, é patriarcal, é porque a natureza inteira o é.

Essa concepção clássica, que obviamente se encontra em completo descompasso com a contemporaneidade, é a concepção que, como se sabe, mais dominou as teorias ou doutrinas em torno da família, por toda a história da humanidade. De fato, Aristóteles está mais presente do que distante em certos aspectos: ainda que nunca mais se tivesse desenvolvido a idéia de que a cidade é uma reunião de famílias, por praticamente toda a história da humanidade se manteve a idéia de que a família é a mais originária das associações naturais, e que sua composição envolve uma autoridade natural dos pais sobre os filhos e do marido sobre a mulher.

Por isso mesmo, pressinto que a análise do tema, a partir de Aristóteles seja relevante, na medida em que deixa claro o que sempre estará em questão, na composição da família: a família é uma associação na qual alguém tem poder sobre outrem, restando saber, primeiro, a quem e por que se deve esse poder e, segundo, se a família não pode ser uma associação baseada em outra coisa que não a dominação ou a dependência.

Sempre que se tratar das relações de família e da responsabilidade envolvida nas relações de família, fundamental será que se trate, também, da base dessa relação.

A inquietação tipicamente pós-moderna assenta-se em buscar a resposta à pergunta: no seio da família da contemporaneidade desenvolve-se ainda, e tipicamente, uma relação de poder ou é possível afirmar, por exemplo, que a ênfase relacional se encontra deslocada para a afetividade?

O tema da responsabilidade nas relações de família envolve necessariamente essa visão clássica da autoridade, para bem ou para mal.

O olhar histórico de contemplação pretérita sobre o assunto admite afirmar que é marcante essa significação da família do passado mais como uma relação de poder do que como uma relação de afeto. Por conseqüência, a família aparece tradicionalmente como uma associação cujos benefícios se dirigem mais para os pais (e mais ainda para o pai ou o marido) do que para os filhos (ou para a mulher).

A tradição patriarcal, de índole francamente autoritária, na concepção das relações de família, pretendeu muitas vezes, e na intenção de justificar-se como instituição civil, fazê-lo por vieses imaginados racionais ou científicos.

E mesmo que uma tal justificação fosse ideológica e impossível, o principal argumento utilizado para a defesa da autoridade do patriarca foi, desde os gregos, a existência de uma hierarquia ou de uma dependência natural. Essa idéia – que está na base das concepções antigas e clássicas de família e que se faz notar principalmente na imposição da autoridade nas relações familiares – curiosamente aparecerá também como índice, no pólo oposto dessa relação, vale dizer, aparecerá como o fator de consagração da responsabilidade dos pais diante dos filhos, assim como do marido diante da mulher.

O que a tradição mostra, enfim, é que a concepção da autoridade é baseada numa idéia de natureza, mas ao mesmo tempo essa idéia de natureza traz uma concepção de responsabilidade muito equivalente.

A primeira explicação para a idéia de que a associação mais primitiva é a família, pode ser vista, ainda em Aristóteles, por meio de sua afirmação de que a família é o resultado da associação daqueles seres que "não podem, por natureza, ficar separados um do outro". Refere-se, o filósofo grego, ao homem e à mulher.

Ou seja: Aristóteles até concebe que as famílias tenham ou não posses, que tenham ou não filhos, mas não concebe uma família sem a idéia de casamento, e muito menos concebe as famílias homoafetivas. A concepção corrente da família brasileira até muito pouco tempo era vulgarmente aristotélica, ainda que a prática da família brasileira fosse muitas vezes o inverso da sua imagem...

E porque o novo Código Civil não incluiu as uniões homoafetivas entre as entidades familiares, talvez seja o caso de dizer que, em termos oficiais, ainda estamos na visão aristotélica de família, onde essa associação originária só é legítima se obedecer ao que a sociedade patriarcal considera normalidade sexual e moral.

Mas enfim, a idéia original é a de que a família é uma associação que decorre da natureza humana, na medida em que decorre de uma necessidade de vida em comum, que Aristóteles, e novamente a tradição posterior a ele, atribuirá à relação entre homem e mulher.

E que relação é essa? Uma relação física, apenas, ou uma relação de dependência? Aristóteles coloca que é uma relação de dependência, especialmente da mulher em relação ao homem: esta, sozinha, não apenas não é capaz de procriar, como não seria capaz de subsistir, e muito menos comandar uma cidade ou um exército. E não seria capaz por quê? Porque, por sua constituição natural, ela seria mais fraca que o homem, incapaz, enquanto só ele seria capaz, para a prática de certas ações que demandam força e prudência.

Aristóteles quer apontar, portanto, uma deficiência, uma debilidade natural na mulher, visível seja por sua comparação ao homem, seja por sua própria compleição.

Ora, sob o preconceito dessa idéia de que a mulher é fisicamente, mas também racionalmente, inferior ao homem, Aristóteles sequer foi um dos primeiros: a idéia já estivera colocada com todas as letras por Demócrito de Abdera, quando recomendou que a mulher não se exercite na palavra, porque isso é coisa perigosa, ou que ser governado por uma mulher é, para o homem, a suprema violência.

Esse argumento pretensamente naturalista de que a mulher é inferior ao homem hoje nos assusta com sua brutalidade? Pois foi o principal argumento utilizado em quase toda a história da humanidade para tentar justificar o poder patriarcal ou masculista sobre as mulheres. É esse o principal argumento utilizado hoje em dia para justificar a violência doméstica contra as mulheres e meninas no Brasil, assim como a violência generalizada contra as mulheres e meninas em regimes fundamentalistas como o do Taleban, que por uma certa e infeliz contingência tem sido constantemente focado e criticado em nossos dias.

Numa palavra, o argumento da debilidade ou incapacidade natural da mulher é o argumento mais utilizado para tentar justificar a autoridade do homem em relação à mulher dentro da estrutura familiar, ao mesmo tempo que a dependência da mulher em relação ao homem, nessa mesma estrutura.

O nosso tema aqui não é, diretamente, essa relação patriarcalista entre homens e mulheres, entre maridos e esposas, entre pais e filhas, e por isso não é o caso de levar adiante a análise e a crítica dessa concepção irracional que sempre insiste em se manifestar até hoje na concepção dos papéis do homem e da mulher na família.

Mas é fundamental que tenhamos começado por apontá-la, pois ela é a base para aquela outra relação que constitui, aqui, o nosso tema principal: a relação entre pais e filhos.

O que a história mostra, e as histórias do pensamento e das instituições mostram junto, é que, se a relação entre homens e mulheres, em família, foi sempre baseada numa concepção naturalista de dependência e subordinação da mulher, com muito mais razão será apontada uma dependência e subordinação dos filhos em relação aos pais.

Se a própria subordinação da mulher era vista como necessária, mesmo sendo a mulher um indivíduo adulto e experiente, o que dizer então, e sempre, de pessoas que tinham pouca experiência ou não tinham experiência nenhuma? Pessoas que não tinham condições de se manterem sozinhos?

Dir-se-á não apenas que dependiam muito mais dos adultos na relação familiar, mas, conseqüentemente, que deviam, na mesma proporção, muito mais obediência.

Se a família, nessa concepção clássica e reiteradamente patriarcal, foi tida como uma relação de poder praticamente despótico, cujo pater era o detentor exclusivo ou principal de todo o poder de decisão quanto à liberdade e o destino dos integrantes da família, então os filhos estiveram, certamente, numa posição muito próxima à escravidão: sua dependência física, material e moral foi eternamente a causa do seu dever incessante de obediência.

Se assim é, o que dizer, então, de uma concepção de família que a vê como uma associação daqueles que não podem deixar de estar unidos (Aristóteles), ao mesmo tempo em que o homem é, naturalmente, o cabeça de sua família (cultura grega, teologia judaico-cristã, direito romano...)?

Nessa associação, o elo de ligação e o índice dos deveres não se indicam pelo amor, não se matizam pela recíproca generosidade, não se caracterizam pela mútua proteção, mas sim se realizam por meio da dominação. E se trata de dominação porque, na concepção patriarcal clássica, jamais haverá um espaço para que a mulher e os filhos assumam, contra a vontade do pai, o posto que deveria lhes corresponder.

O correr histórico desnudará a certeza de que, para se vislumbrar a igualdade de direitos entre homem e mulher – e também entre pais e filhos – na condução da família, serão necessários milênios.

Mas esse longo tempo, necessário certamente para a concepção dessa igualdade de direitos, de certa forma seria necessário, também, para a concretude da própria responsabilidade paterna como um dever dos pais, em lugar de um poder dos pais.

A idéia de responsabilidade paterna que existe hoje não encontra grandes referências nas concepções antigas de natureza humana e de família. É verdade que o mundo antigo concebeu deveres dos pais, dos chefes de família; mas a concepção de responsabilidades civis é muito mais recente. Por quê? Porque, se a simples responsabilidade envolvida no dever de assistência é classicamente determinada pelo poder do pai sobre sua família, a responsabilidade envolvida nos danos decorrentes da má gestão dessa chefia de família não decorre mais do arbítrio desse mesmo pai de família.

Vale dizer: na concepção antiga e tradicional de família, o pater tinha obrigações, mas tinha também poder suficiente para arbitrar quais seriam essas obrigações, já que era senhor de suas mulheres e de seus filhos.

Ao contrário, em concepções mais recentes de família – e que remontam, no máximo, ao início do período moderno – os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado.

3. A concepção jus-naturalista de família e a distinta visualização do pátrio poder.

A partir do Renascimento e da modernidade, ser chefe de família continuou significando deter um poder privilegiado e amplo, mas que já não é mais um poder superior à capacidade – cada vez mais visível – dos outros integrantes da família. A modernidade abre espaço para uma transformação lenta, mas radical, na concepção de família, já que investe pela primeira vez (especialmente no âmbito do jus-naturalismo) na idéia de igualdade entre homem e mulher quanto à capacidade para chefiar a família.

Quem mostra isso com muita ênfase desde a década de 1970 é um dos maiores historiadores do jus-naturalismo, Alfred Dufour. Num ótimo estudo publicado originalmente em 1975, mas retomado e desenvolvido anos mais tarde, denominado Autoridade marital e autoridade paterna na escola do direito natural moderno, Dufour mostra que uma das maiores contribuições do jus-naturalismo foi inovar na concepção dos direitos entre os integrantes da família.

Neste estudo, Dufour mostra que tanto a relação entre homem e mulher recebeu inovações importantes no ambiente jus-naturalista, como também as recebeu a relação entre pais e filhos, ainda que em menor medida. No que diz respeito à relação entre homens e mulheres, autores como John Locke no século XVII, mas também como Christian Wolff, e seu discípulo Daniel Nettelbladt, no século XVIII, investiram na idéia de que a mulher, como o homem, detém uma autoridade natural sobre os filhos, e efetivamente equivalente à do homem.

No que respeitasse, pois, à autoridade sobre os filhos, a mulher teria os mesmos direitos que o homem, e por razões naturais diferentes daquelas que eram alegadas por Aristóteles ou por toda a tradição medieval cristã: a mulher, como o homem, é causa da existência dos filhos, e isso torna a sua autoridade natural. Esta lógica é menos restritiva do que a concepção anterior, mas é ainda, sem dúvida, um reconhecimento tímido do potencial racional da mulher, já que ela não é desenhada, ainda, como uma possível autoridade equivalente à de seu próprio marido.

No que respeita à relação paterno-filial, por outra parte, nota-se que as mudanças serão também visíveis, embora se mostrem menores do que a relativa equalização de direitos ou de autoridade entre homem e mulher. Todavia, apesar do seu menor peso, dar-se-á igualmente, nesta circunstância relacional, uma mudança suficiente para caracterizar, enfim, a concepção da relação entre pais e filhos como uma relação na qual sempre haverá uma responsabilidade dos pais em relação às necessidades dos filhos, a ponto de se poder dizer que é aí que nasce, propriamente, uma concepção articulada de responsabilidade civil na relação paterno-filial.

Esta interferência do jus-naturalismo moderno na reformulação da concepção em tela, ocorrida nos séculos XVII e XVIII, fez com que se realizasse, aos poucos, a noção propriamente jurídica de responsabilidade – que se desenvolve até se tornar responsabilidade civil, no início do século XIX – e também porque é aí, na modernidade, que a condição jurídica dos filhos dentro da família passa a ser apresentada segundo critérios que se pretendem racionais ou científicos, para além dos antigos critérios do costume.

É certo que esta concepção jus-naturalista, assim como traçada, guarda uma grande distância com respeito à concepção contemporânea ou pós-moderna. Contudo, penso que dedicar uma certa atenção à maneira como os autores modernos trabalharam o assunto, pode dizer muito à contemporaneidade, quando somos convidados a considerar a família como uma entidade real, concreta, cuja significação e cujas necessidades talvez não estejam mais definidas unicamente pela lei ou pelo arbítrio do juiz.

4. O desafio da modernidade para demonstrar, racionalmente, os fundamentos da autoridade e da dependência entre os seus componentes.

Ao tratar da família, os autores modernos tinham, então, o desafio de demonstrar racionalmente quais os fundamentos da autoridade e da dependência entre os seus componentes. É claro que o tema desta autoridade em família era (como sempre é) um princípio corrente; mas, por mais consensual que fosse a idéia de autoridade marital e paterna, no plano da teoria jurídica havia sempre a necessidade de evidenciar os seus fundamentos. Um dos paradoxos originados dessa tarefa, todavia, foi a revelação, por vezes, de que uma certa prática por quase todos aceita não tinha fundamentos tão racionais, como se poderia imaginar.

Qual efetivamente seria a razão e o fundamento da existência perenizada de um pátrio poder, a significar uma autoridade dos pais sobre os filhos, garantida pelo Estado, e que permite àqueles determinar a vida destes. O que é que, enfim, impulsiona o Estado a conceder e garantir um tal poder?

A argumentação original é, novamente, a que se aperfeiçoa na noção da natureza.

Os filhos vêm ao mundo na dependência completa dos pais, e assim permanecem enquanto não se tornam, eles mesmos, adultos ou emancipados. A dependência natural é tão certa e inegável, que sequer pode ser recusada pelos pais. Perfeitamente compreensível e aceitável.

Mas a questão que insiste em não calar, e que decorre desta singela verdade versa sobre a dúvida de qual seria a origem da autoridade dos pais?

Ou, em outros termos, por que a dependência dos filhos equivale a uma dominação por parte dos pais, a uma autoridade destes sobre aqueles, enfim?

O pátrio poder, justamente, não é um poder acidental, involuntário. Ele é exercido pelos pais como dominação sobre os filhos. Já que é uma dominação, talvez o pátrio poder não envolva nenhum componente afetivo. Ao menos, nenhum componente positivamente afetivo, como a generosidade com respeito aos filhos.

Ao contrário, talvez o seu sentido seja sempre, ou prioritariamente, negativo, no sentido de um aproveitamento ou 'usufruto' dos filhos, um exercício desenvolvido – talvez – mais em benefício dos próprios pais, do que para a alegria ou proveito dos filhos. Por que isso? Porque, de ponta a ponta, na relação entre pais e filhos simbolizada pelo pátrio poder, os filhos não têm poder nenhum.

A idéia de pátrio poder, assim, pressupõe algo semelhante à antiga concepção da subordinação da mulher ao homem: ela é devida segundo a natureza. Ela é devida porque a parte dominada na relação é mais fraca, é mais débil... Numa palavra, é dependente da outra.

Talvez.

Mas o que causa esta dependência, de fato? A natureza, como se fosse uma condição sem conserto ou mudança? Ou as circunstâncias, como se fosse uma condição determinada unicamente pela maior força do dominador?

Se a reflexão nos fizer passear os olhos para a história da condição feminina, facilmente observar-se-á que a causa da dependência reside exatamente na segunda opção: o que historicamente determinou, às mulheres, a ausência de direitos e a submissão ao patriarcado foi uma circunstância de imposição pela força, reiterada pelos costumes e pelas instituições, ao mesmo tempo que endossada pelo próprio direito.

Desde a Antigüidade, o homem é caput de sua mulher e das mulheres de sua família. Não porque tenha sido um desejo das mulheres. Mas elas sempre viveram em um mundo dominado por instituições patriarcais, cuja estrutura não permitia a própria modificação.

O mesmo pode ser descrito para a situação dos filhos.

Desde sempre, e com mais forte razão, os pais – mas principalmente o pai – são caput dos infantes.

Em parte, por causa de uma concreta dependência dos filhos, que não têm nem forças, nem meios, nem principalmente experiência para emancipar-se na vida. Mas, em parte porque a família foi sempre constituída como um domínio particular de quem o instaurou. O círculo familiar, no qual o chefe de família é senhor dos membros da família, funciona como uma monarquia particular, como bem lembraria Cesare Beccaria, no capítulo 26 de seu tratado Dos delitos e das penas.

A definição tradicional e jurídica de família, então, e por todos os motivos, está muito longe da definição de uma relação afetiva. Ela define diretamente uma espécie muito particular de domínio e dominação.

Na família marcada pelo pátrio poder, como compreender, assim, algum fundamento natural ou racional para a responsabilidade dos pais diante dos filhos?

Se esta responsabilidade, desde o início, diz respeito a uma dependência dos filhos em relação aos pais, então ela é determinada mais pelos filhos do que pelos pais?

Ou determinada mais pelo Estado do que pelos filhos?

Num ou noutro caso, não é, certamente, uma responsabilidade determinada pelos próprios pais, porque não cabe a eles decidir a sua validade ou não. Se lhes coubesse, não seria, então, responsabilidade. Seria assunção volitiva de obrigação.

Há, concretamente, uma condição de dependência dos filhos em relação aos pais que é, sim, uma dependência natural, em dois sentidos: primeiro, porque os pais são causa dos filhos; segundo, porque os filhos, para se manterem, precisam do auxílio dos adultos; e como só existem porque seus pais os deram à existência, são estes que devem ser encarregados da sua subsistência.

A obrigação primeira dos pais em relação aos filhos é, certamente, a transmissão da cultura. Lévi Strauss esclarece que, para que se passe da natureza (os meros impulsos, o simples biológico, nossa parte mais animal) para a cultura (o humano, o criado), para que se passe do individual para o social, são necessárias três interditos básicos: canibalismo, parricídio e incesto. Dada a condição humana de indefensão, para que os filhos sobrevivam, as suas necessidades vitais primeiras serão satisfeitas pela mãe, por um período relativamente prolongado em relação às outras espécies animais.

Os filhos, assim, são um encargo natural trazido pela união dos pais: o nascimento dos filhos obriga os pais a manterem os próprios filhos, como se os filhos fossem, de certa forma, uma culpa deles próprios, que não incumbe ao Estado assumir. Ou seja, mesmo nos termos em que os filhos dependem dos pais para sobreviver e se desenvolver, não cabe, à luz do viés da Antigüidade que está em foco, tentar enxergar, aí, nenhuma relação afetiva.

Se ela ocorrer também, tanto melhor, é um excedente. Aos olhos do Estado, a relação entre pais e filhos é a de uma sociedade causada por vontades completamente particulares, que não têm poder nem legitimidade para transferir sua causalidade ao Estado, se este não o desejar. Porque causam os filhos, os pais causam, conjuntamente, todos os gastos envolvidos na sua manutenção e desenvolvimento.

Se assim é, raciocine-se: por qual motivo o Estado ou outra entidade que não os próprios pais, poderia ou deveria ser considerado co-responsável nessa criação? Se – e somente se – considerarmos que por nenhum motivo, então, de fato, a relação paterno-filial pode ser avaliada como uma relação de um senhor com seus próprios bens. Apenas isso.

Assim entendida, contudo, a relação paterno-filial não envolve, é claro, o poder paterno de decidir pela vida ou morte dos filhos (isto era coisa dos déspotas antigos), mas envolve, sim, uma precedência na determinação externa da vida dos filhos.

Quem deve decidir o destino e as preferências dos filhos, seria o caso de se perguntar – o Estado ou os pais? Ou, ao menos, quem tem precedência nessa decisão – o Estado ou os pais? Não importa qual seja a resposta que se dê, se a opção for por um dos dois – o Estado ou os pais – se estará, com isso, aceitando a idéia de que os filhos são coisa...

Na verdade, saindo enfim desse plano que concebe a autoridade paterna como pátrio poder, encontra-se o verdadeiro desafio de definir quem deve ter precedência para decidir sobre os destinos da criança ou do jovem atrelado, ainda, à vida em família.

Sem dúvida, a essência da pós-modernidade responde e estampa a concepção contemporânea mundializada, ao menos em sociedades assemelhadas à nossa: é a própria criança ou jovem, sempre, que deve ter precedência na determinação do seu destino. Sempre. Ainda que esteja sob o pátrio poder, ou sob o poder familiar, como prefere a nova Lei Civil Brasileira , ou ainda que esteja sob a dependência dos pais ou do Estado.

Pais e Estado – assim como toda a sociedade, afinal – não podem, em momento nenhum, tratar a criança como coisa só pelo fato de ser ela sem experiência ou sem atividade produtiva, sem maturidade espiritual ou sem autonomia material. A criança, apesar de seu estado de extrema e concreta dependência, é um ser humano como qualquer outro, é um ser desejante e emotivo como qualquer outro, que sente dor diante da crueldade alheia e revolta por não lhe ser concedida a liberdade que é capaz de administrar sozinha. E é por ser dotada desse desejo e dessa necessidade que a criança, enfim, é dotada de dignidade e assim deve ser respeitada. Não respeitar essas necessidades e negar a relevância do desejo é tratar a criança como coisa, é efetivamente ser violento com ela, o que afasta, em definitivo, qualquer relação ética com a criança.

Senhores.

Se é o caso de pensar a responsabilidade na relação entre pais e filhos, vale a pena pensá-la apenas pelo viés do direito ou é o caso de pensá-la a partir especialmente da ética? É o caso de pensá-la em ambos os planos, necessariamente, inclusive porque nenhum deles é válido sem o outro, na consideração da responsabilidade.

Qualquer que seja o tema proposto, a respeito da responsabilidade, ele será um tema tanto jurídico quanto ético. Numa perspectiva ética, como fica essa responsabilidade? Ela não pode, de forma alguma, negar validade ao desejo da criança. O contrário demonstrará a vida em família como uma relação de violência, justamente porque é uma relação de neutralização e de dominação apenas, o que é muito bem mostrado, entre outros autores, por Michel Foucault, em seus vários estudos sobre as relações de poder, mas especialmente a Microfísica do poder e, mais ainda, na sua última obra, a História da sexualidade.

Importante também é verificar que as considerações acerca da responsabilidade na relação entre pais e filhos não devem se reduzir ao fato de se averiguar quais são as obrigações que já existem, ou que decorrem desta relação por sua própria condição e estrutura natural, nem de se averiguar quais são os meios de compensação de danos na má gestão dessa autoridade paterna, por vez patriarcal.

É claro que envolve estes aspectos também, mas de forma alguma deve se restringir a eles, pois, se ficarem, as considerações, restritas a essa perspectiva técnica, talvez não se ampliem satisfatoriamente os horizontes. Talvez seja necessário – e até imprescindível – ir a um ponto outro, de estranha inversão, e verificar que é preciso conhecer o que há, nos filhos, que determina a autoridade dos pais.

Questão muito curiosa, essa, porque parece inverter a própria idéia de autoridade. Afinal, se alguém tem autoridade sobre um outro, que coisa mais extravagante haveria do que a idéia de que a autoridade é medida por quem está a ela subordinado?

De fato, a questão é extravagante.

Mas será que pode ser garantido algum resultado positivo à questão oposta, que é mesmo a questão clássica, de saber qual é o poder que a autoridade tem por sua própria vontade ou potência? Ao que parece, ela sempre foi útil para conceber a relação dos pais com os filhos como um pátrio poder,como uma relação de dominação dos filhos pelos pais. E sendo apenas isso, os benefícios ou as garantias desta relação, para os filhos, são mais produto da sorte do que das necessidades dos filhos.

Ou não?

Deixo essa questão em aberto, porque o mais importante, segundo me parece, é o enfrentamento da outra questão: o que há, nos filhos, que determina a autoridade dos pais?

5. Os critérios para a definição da autoridade e, conseqüentemente, da responsabilidade paterno filial, sob o enfoque do jus-naturalismo moderno: o fundamento, a titularidade e a extensão.

Esta questão é, de certa forma, esboçada pelo jus-naturalismo, como mostra Alfred Dufour, no estudo antes mencionado, sendo certo que a partir de então ocorreram algumas inovações de peso na concepção jurídica da relação entre pais e filhos.

Pela primeira vez, provavelmente, apareceu no pensamento jurídico moderno a idéia de que os filhos não são propriedade dos pais, ainda que estejam necessariamente sob sua custódia e autoridade. Não há, entre esses autores do pensamento jurídico moderno, um perfeito consenso em todos os aspectos, mas há pontos em comum que permitem, imagino, uma visão sistemática do conjunto.

O que Dufour mostra em seu estudo é que há três critérios distintos para a definição da autoridade paterna, todos inovadores no sentido de superarem a antiga concepção de que a autoridade paterna é algo inquestionável, ou decididamente arbitrário. Esses três critérios, por terem uma significação moderna, podem soar estranhos à compreensão contemporânea; mas contêm elementos únicos para que a mesma autoridade paterna, e a responsabilidade nessa relação, seja repensada hoje em dia. Os critérios para a definição dessa autoridade, e conseqüentemente das condições da sua responsabilidade, são: o fundamento; a titularidade; a extensão.

A respeito do critério relativo ao fundamento da autoridade paterna, há três formas de expressá-la, segundo o jus-naturalismo moderno: uma fundamentação hierárquica, uma fundamentação convencionalista e uma fundamentação funcional.

A fundamentação hierárquica lembra, em parte, as concepções antigas e consiste na concepção de que a autoridade dos pais sobre os filhos no quadro da sociedade familiar tem como fundamento a natureza. Essa é a posição, por exemplo, de Hugo Grotius (autor do tratado Do direito de guerra e de paz, de 1625), que considera que os pais, por gerarem os filhos, têm direito sobre suas pessoas como quem tem direitos sobre qualquer coisa de que seja o criador. É, na verdade, a primeira das concepções da autoridade paterna desenvolvida dentro do jus-naturalismo e será, em conseqüência, muito combatida mesmo dentro de seus domínios, especialmente porque carrega ainda algo das concepções pré-jus-naturalistas.

Mas ela é inovadora na medida em que coloca como base para a concepção da autoridade a necessidade de um critério que seja racional. Para Grotius, esse critério racional é a natureza, mas a natureza que ele vê é semelhante à que a teologia via quando analisava a relação entre o homem e Deus: já que Deus é o criador dos homens, os homens são como objetos que pertencem a Deus; identicamente, já que os filhos são criação original dos pais, são como que objetos que lhes pertencem, ou cuja liberdade depende diretamente dos pais.

A linha jus-naturalista de pensamento manterá, nos dois séculos seguintes, a idéia de natureza como base para se pensar a liberdade e os direitos; mas trabalhará uma outra idéia de natureza, ou verá, a partir da mesma natureza, outras necessidades e outros direitos, seja para os pais, seja para os filhos.

A fundamentação convencionalista consiste numa idéia que se assemelha muito à concepção jus-naturalista do contrato social, e está presente, por exemplo, no Leviatã (1651) de Hobbes: da mesma forma como a vida em sociedade só existe porque os cidadãos consentem com sua existência, a vida em família também só existe porque os filhos assim o consentem. Mesmo que a família seja uma associação onde há uma certa relação de poder, não à toa muito assemelhada com a relação que um monarca tem com seus súditos, o que ocorre é que esse poder só existe porque os súditos, isto é, os filhos, o aceitam.

A idéia – ainda que bastante curiosa – é reveladora de um certo poder por parte dos filhos, coisa que talvez não se visse em Grotius, e que certamente não se via antes do jus-naturalismo. É uma ousadia gigantesca, em termos teóricos, conceber que há algo na vontade dos filhos que determina o poder dos próprios pais, ainda mais porque se trata de algo que não está sob o poder dos pais: a razão dos filhos, a vontade dos filhos.

Os pais, de fato, podem obrigar as ações dos filhos, mas não podem obrigar sua vontade, seu desejo. Da mesma forma como é inútil legislar a consciência na vida civil, na vida familiar essa tentativa também é completamente inútil. Isso significa, do ponto de vista de Hobbes que, se a sociedade familiar está estabelecida (e ela certamente vem de fatores naturais), é igualmente verdade que a sua continuidade e perpetuidade depende diretamente do arbítrio de quem está abaixo do poder.

Ora, este é um modo de análise absolutamente novo na história do pensamento jurídico.

Na mesma linha, um outro autor do século XVII, Samuel Pufendorf, em seu tratado Do direito de natureza e das gentes (1672), dirá que a autoridade paterna é a autoridade mais antiga e a mais sagrada que se acha entre os homens. Ou seja, o que marca a validade dessa autoridade é um valor moral que Pufendorf atribui à autoridade paterna, porque, para ele, o sagrado não é aquilo que decorre do divino, mas é aquilo que é tido como moralmente válido.

É um passo que vai além da simples geração dos filhos como sendo base para a autoridade paterna (como era em Grotius), porque, segundo Pufendorf, o que determina a autoridade dos pais sobre os filhos não é a simples geração, mas a semelhança: há validade na autoridade desde que os filhos sejam semelhantes a nós e estejam, como nós, igualmente dotados daqueles direitos naturais comuns a todos os homens.

Vale dizer, a autoridade paterna tem um fundamento natural que envolve, agora, a moral. Num certo sentido, a autoridade depende, também, dos filhos, porque ela só é válida na medida em que os pais cumprem obrigações perante os filhos. Essas obrigações, se não são impostas pela vontade dos filhos (como talvez fosse o caso em Hobbes), ao menos são moralmente necessárias, e nenhuma autoridade pode ser concebida se não houver, reciprocamente, o cumprimento das obrigações por parte dos próprios pais.

Assim, segundo Pufendorf, a condição paterna envolve moralmente um encargo, do qual os pais não têm como escapar moralmente (ainda que possam dele escapar materialmente).

O que se extrai de Hobbes e de Pufendorf, se tomados em conjunto, é a revelação de que a paternidade, mesmo que envolva um poder sobre os filhos, envolve necessariamente um dever quanto aos filhos. Não importa se em função da vontade dos filhos (concepção de Hobbes) ou se em função da moralidade da própria relação (como em Pufendorf).

Em qualquer caso, não está mais nas mãos dos pais, apenas, todo o arbítrio sobre o valor dessa autoridade e a sua correspondente responsabilidade. Essa idéia é extremamente reveladora, porque mostra a fragilidade a que se pode expor a idéia de domínio dos filhos pelos pais. Esse domínio, sempre que os filhos não o desejarem porque é violento, ou sempre que for contrário à necessidade moral da relação, não pode ser legítimo.

Por seu turno, a fundamentação funcional consiste numa concepção do final do jus-naturalismo que tenderá a ser continuada após o jus-naturalismo moderno: ela considera que a sociedade familiar tem uma finalidade – o sustento e educação ou formação dos filhos – e que a autoridade é válida em função de cumprir essa finalidade.

Se a finalidade é natural ou voluntária, pouco importa; o que importa é que ela é irrecusável, e que nenhuma família poderia ser concebida sem que tivesse como finalidade conjunta a formação dos seus integrantes. Na divisão de poderes e funções dentro da própria família, aos pais cabe, como adultos e ainda como geradores, proverem a formação dos filhos, e a estes cabe obediência na medida em que recebem a formação ou dependem dela.

Caso não mais dependam, todavia, seja da formação, seja dos pais para receber a formação, nada mais de potestativo resta como elo para essa estrutura familiar. Quem formula bases teóricas para uma tal concepção, por exemplo, são jus-naturalistas do final do século XIX, como o inglês John Locke, e outros do correr do século XVIII, como Christian Wolff, Thomasius, Burlamaqui e Barbeyrac.

Uma passagem de Locke, nesse sentido, é esclarecedora: Os filhos, confesso, não nascem [em] estado pleno de igualdade, embora nasçam para ele. Quando vêm ao mundo, e por algum tempo depois, seus pais têm sobre eles uma espécie de domínio e jurisdição, mas apenas temporários. Os laços dessa sujeição assemelham-se aos cueiros em que são envoltos e que os sustentam durante a fraqueza da infância. Quando crescem, a idade e a razão os vão afrouxando até caírem finalmente de todo, deixando o homem à sua própria e livre disposição.

Talvez esta seja, dentre as concepções elementares do jus-naturalismo em torno da relação paterno-filial, a mais próxima da contemporaneidade, mas é importante notar o que ela ainda mantém de essencialmente moderno: a relação de obediência e de autoridade se mantém na medida em que se mantém, antes de tudo, a relação de segurança e formação.

O que há de novo e importante nessa concepção, buscando compará-la, inclusive, com as demais que já eram esboçadas pela século XVII é o fato de que ela diz algo radical: a relação entre pais e filhos deve ser pensada em benefício, principalmente, dos filhos. E é a primeira vez em que isso é dito. E é porque a relação entre pais e filhos deve ser pensada sempre tendo em vista prioritariamente o benefício dos filhos, que aos pais cabe a educação deles, e a estes está legitimada a desobediência em caso de irresponsabilidade ou incapacidade dos pais.

Além da concepção da autoridade paterna a respeito da sua fundamentação, há ainda as concepções a respeito da titularidade e a respeito da extensão:

A respeito da titularidade, a vertente precípua de indagação quer verificar quem é titular do pátrio poder – o pai ou a mãe? Com esta questão, dá-se o retorno ao papel da mulher na família. Como aqui a referência, ainda que temporariamente, está sendo o pensamento moderno, ou seja, os séculos XVII e XVIII, é claro que não se encontrará uma defesa entusiasmada de uma igualdade de direitos para o homem e a mulher no que respeita a esse título. Pelo contrário, para a maioria dos pensadores modernos, o pai tem uma autoridade maior que a mãe, inclusive porque a mulher está sob sua autoridade, na mesma família.

Ainda assim, haveria uma defesa de igual titularidade entre homem e mulher na direção da família, entre os modernos? Sim, houve e ela está, por exemplo, em autores como John Locke e Thomasius, quer dizer, aqueles mesmos autores que, diante da indagação sobre o fundamento da autoridade, fixaram-no na obrigação que têm os pais para com a educação dos filhos. De modo semelhante, eles reconhecerão um igual direito entre o pai e a mãe, quanto à detenção da autoridade sobre os filhos, em função justamente desse igual poder, ou igual obrigação, para educar.

É possível assim concluir, de uma forma curiosa, acerca da finalidade da autoridade dos pais: esta autoridade serve, segundo este pensamento, para indicar a obrigação, dos pais ou de um dos pais, de prover a educação dos filhos. É para isso que se forma a sociedade familiar e, talvez mesmo, a sociedade conjugal. De forma que a titularidade de nada vale se não for exercida como cumprimento de certas finalidades as quais, segundo tais autores, são naturais tanto do ponto de vista dos filhos quanto do ponto de vista dos pais. A educação, portanto, é o índice principal tanto da autoridade quanto da responsabilidade dos pais, que somente nessa hipótese se confundem evidentemente.

A respeito da extensão, como elemento identificador e qualificador da autoridade paterna, caberia indagar até onde e até quando ela se impõe sobre os filhos?

É uma questão delicada, na medida em que envolve a concepção dos filhos como sendo ou não propriedade dos pais. No pensamento jus-naturalista, essa idéia tende a se enfraquecer pela primeira vez, mas é ainda um referencial para sustentar a idéia de dependência dos filhos em relação aos pais. Não importa qual seja a fundamentação da autoridade paterna, ela sempre tem uma necessidade de justificação racional.

Mesmo no caso da idéia de uma fundamentação natural (que era a concepção de Grotius), em que os pais têm autoridade simplesmente por gerarem os filhos, já existe uma certa restrição do poder paterno, na medida em que esse poder necessita, mesmo aí, abandonar o arbitrarismo.

Existe, no pensamento moderno, sempre a idéia de uma finalidade, ou de uma necessidade, a governar a ação humana, e em especial a ação potestativa. Isso vale diretamente para a autoridade paterna, na medida em que o pai não pode ir contra as necessidades dos filhos, ou as finalidades coletivas dessa relação (como a educação).

Ora, mesmo no caso em que se considera, como em Grotius no início do século XVII, que só o pai é titular do poder paterno e que este lhe é devido tão somente por ser genitor, isso ainda não é suficiente para dar, a ele, direito de vida ou morte sobre os filhos. Essa restrição ao arbítrio paterno é constante na figura do pai.

Assim, na definição do direito equivalente, ou seja, do que está em poder do pai ou dos pais para arbitrar a respeito dos filhos, há uma tendência nesse pensamento moderno a desenvolver a idéia de que podem fazer o que não prejudicar a finalidade original da relação de família. Ou seja, os pais podem fazer o que quiserem com os filhos e com seus os bens, desde que não signifique isso uma diminuição de segurança dos próprios filhos. Ao contrário, o que cabe aos pais em termos de segurança dos filhos é justamente a sua formação em conjunto com a preservação de seus bens. Isso quando não significar, como em Locke, que a própria formação envolve ensinar aos filhos a preservar os próprios bens.

A extensão dessa autoridade dos pais equivale, portanto, a considerar que a autoridade continua enquanto continua o processo de formação dos filhos. A partir do momento em que os filhos já são dotados de experiência suficiente para se manterem sozinhos em suas próprias vidas, cessa concretamente a missão original e natural dos pais com respeito à sua formação e, também, com respeito à tutela dos seus bens.

Mas o resultado desse encerramento, em vez de significar uma libertação de um poder opressivo, pode significar, como coroação de toda a história familiar, a fundação de uma identidade entre pais formadores e filhos já formados, eqüalizados agora não só em seus direitos naturais, mas no que lhes cabe como direitos civis: ao final do processo de autoridade paterna, de formação familiar, de dependência dos filhos em relação aos pais, o que temos é uma outra associação, cujos laços mais fortes que os laços determinados pela vida civil a todos os cidadãos são justamente os laços do afeto, quando tais laços tenham tido a devida oportunidade de se formarem, ao longo de todo esse percurso.

A história das concepções de autoridade paterna não começara no pensamento moderno e não terminará com ele. E a história propriamente dita da responsabilidade envolvida nessa autoridade, se aparece com clareza nos modernos, tenderá a continuar.

De modo que seria possível estender essa história da concepção do poder paterno, cada vez mais distinto da concepção clássica e mais ainda da concepção antiga de pátrio poder, para os tempos atuais. Mas não é o objetivo desta palestra.

A intenção desta referência aos modernos é encontrar, na história do pensamento jurídico, uma fonte racional para se pensar a responsabilidade paterna fora daqueles moldes que vinham, desde os gregos, fixando a idéia de que os pais têm um poder equivalente à sua vontade ou seu arbítrio, sem medidas estabelecidas seja pela natureza, seja pela moral, seja pela razão, seja pelo desejo.

E a modernidade nos apresenta esta medida, certamente pela primeira vez.

A autoridade paterna existe somente enquanto corresponde a uma obrigação, obrigação fundamentalmente de prover o sustento e a formação; mas essa obrigação é definida cada vez mais pelas necessidades dos filhos e cada vez menos pelos arbítrios dos pais ou do pai.

A grande prova de que os filhos deixam de ser coisas nas mãos despóticas dos próprios pais é a existência crescente de sua liberdade para interferir na determinação dos rumos de toda a família.

Quando o mundo moderno se conclui na passagem do século XVIII para o XIX, os filhos já tinham, dentro do pensamento político e pedagógico, uma importância nunca antes vista.

Ainda que a prática pedagógica e a prática social, assim como a própria dogmática civilista, se demorem a absorver essas concepções, elas são uma conquista estabelecida no interior da modernidade. Como diz Alfred Dufour: "Ao substituir um universo de hierarquias naturais por um universo de autoridades consentidas em favor de aplicação, no domínio das ciências sócio-morais, do método das ciências físicas e matemáticas, os teóricos do Direito natural moderno não se contentaram em lançar as bases de uma nova ordem moral e política emancipada da tutela da teológica."

O que os filósofos jus-naturalistas causaram, com sua revolução metodológica no tratamento do assunto, foi a necessidade de dar ao pensamento em torno da autoridade e da responsabilidade paterna bases exclusivamente racionais, bases necessariamente científicas. É com esse pensamento moderno, enfim, que o cálculo e a definição dos papéis em família exige ser pensado fora de modelos, mas unicamente dentro da observação das relações humanas como elas concretamente se dão.

Tendo isso em vista, podemos passar para um outro registro, que é o de considerar a validade dessa fundamentação racional da autoridade e da responsabilidade paterna. A questão é válida desde que se mantenha válido o princípio de que aos pais não cabe qualquer arbítrio contrário à necessidade dos filhos. Essa é uma lição dos modernos, que cabe diretamente a nós, hoje. Retomemos algo que foi perguntado mais atrás: o que há, nos filhos, que determina a autoridade dos pais?

Essa questão é mais ousada do que parece à primeira vista, porque pressupõe o questionamento de algo que o costume usa considerar inquestionável, a autoridade paterna.

Ora, se os pais detêm alguma autoridade sobre os filhos, o que determina a legitimidade das suas decisões?

À luz dos modernos, poderíamos dizer que é o benefício dos filhos, sempre. A julgar pelo que nos esclarece a filosofia jurídica moderna, jamais, não importa qual seja a fundamentação da autoridade, os pais estão livres de atender às necessidades dos filhos.

Os pais que têm aquele poder quase absoluto sobre os filhos porque são genitores e estão, na verdade, subordinados a uma necessidade da natureza inteira, que é a de preservação de todos os seus elementos constituintes.

O direito quase divino dado aos pais, segundo Grotius, sobre seus filhos (porque estes vieram daqueles) não significa, jamais, o direito de retirar-lhes a vida. Pense-se nisto a partir do ponto de vista do filho, por outro lado. É claro que não há nada na sua estrutura natural que peça a sua morte, a sua própria destruição, o seu aprisionamento ou seu suplício. Mas tudo na sua natureza pede proteção e orientação.

Exatamente como na vida civil. Não há nada no súdito ou no cidadão que peça a extinção da sua liberdade. Ao contrário, a sua natureza em sociedade pede liberdades, direitos, segurança da parte do poder soberano.

Parece-me correto, então, dizer que a relação de obediência e orientação só é válida na medida em que ofereça segurança aos atores aí envolvidos, e prioritariamente aos que mais dependem dessa segurança, na família, isto é, os filhos.

Talvez toda a autoridade dos pais possa, por isso mesmo, ser reduzida a esse único princípio – sua potência, ou sua responsabilidade, para garantir segurança aos filhos.

Essa redução, completamente legítima e reveladora do essencial, dá à idéia de poder paterno um significado que retira qualquer pontificação negativa. Com ela, o poder paterno não desaparece, mas se torna uma atividade voltada para o benefício do receptor, portanto para um benefício que é público e não privado. É essa publicidade do poder paterno, dentro da sociedade familiar, que permite chamar a esse poder, na verdade a essa generosidade, uma autoridade em certa medida.

Quando a autoridade se apresenta não como entidade castradora ou opressora, mas formadora e protetora, a criança se vê continuada nos próprios pais. Ao contrário, quando ela se vê explorada ou de alguma forma neutralizada, o que ela vê não são os seus protetores, mas os seus inimigos mais diretos.

O índice a determinar se a relação entre pais e filhos é uma relação entre formadores mútuos ou entre inimigos mútuos é, especialmente, a necessidade dos filhos.

Essa idéia não estaria, em contrapartida, dando aos filhos um poder que eles não têm ou não deveriam ter? A saber: o poder de, pelo próprio desejo, quando não pela própria birra, recusar a orientação e proteção dos pais?

A idéia de natureza, de certa maneira, se preserva aí, sem, todavia, deixar uma reserva para a violência agora pelo lado da parte mais fraca, ou inferior na antiga hierarquia.

Como diria Espinosa, a essência do homem é o desejo, e não há como pretender eliminar o desejo em quem quer que seja, muito menos na criança, que comumente vive em estado de hilaridade.

O perigo para qualquer ser humano em qualquer relação, e isso vale para pais e filhos na relação de família, não é o desejo que se manifesta por qualquer das partes, mas a violência que pode decorrer das próprias ações. A violência é, por definição, a própria ação contrária à natureza de algo ou de alguém. Se o desejo é natural, um ato violento não decorre necessariamente do desejo humano, mas de uma compreensão equivocada do que se deseja ou do que se necessita verdadeiramente.

Isso vale para qualquer relação humana, isso vale também para as relações de família: assim como não cabe aos pais serem violentos com os filhos, não cabe aos filhos serem violentos com os pais. O que não representar violência, todavia, não representa perigo à natureza de cada uma das partes, e portanto merece toda concessão, ou, para usarmos a palavra que deve sempre estar presente, merece toda liberdade.

A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da idéia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar.

As relações de família, já que se dão no interior de uma sociedade, tendem a atravessar constantemente essa tensão que ora distancia, ora aproxima, as relações de poder e as relações de afeto.

Consideremos que a relação em família não precise ser uma relação de poder, ainda que haja quem considere isso impossível. Mas se ela não é uma relação de poder, ou de dominação, o que ela é ou pode ser? Somente uma relação afetiva. Isso, para o que entendemos por família, faz sentido, mas a concorrência entre afeto e interesses familiares não é tão evidente quanto deveria, o que exige, do civilista que se dedica hoje ao tema das relações de família, uma atenção especial à condição dessas pequenas sociedades como ligações mantidas nuclearmente pelo afeto.

Conceber as famílias como associações determinadas pelo afeto significa necessariamente recusar que sejam determinadas por uma relação de dominação ou poder.

Paralelamente, significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. Poder-se-ia dizer, assim, que uma vida familiar na qual os laços afetivos são atados por sentimentos positivos, de alegria e amor recíprocos em vez de tristeza ou ódio recíprocos, é uma vida coletiva em que se estabelece não só a autoridade parental e a orientação filial, como especialmente a liberdade paterno-filial.

Uma vida familiar que, ao contrário, é marcada pelas relações de ódio é claramente uma vida na qual se perdeu qualquer equilíbrio afetivo, porque já não se percebem, aí, identidades, semelhanças, generosidades. Pior: concebe-se que alguma paz só pode ser conquistada se se impuser, de qualquer das partes, uma tirania da opressão sobre a parte inimiga. Aí já não se trata mais de responsabilidade numa relação paterno-filial, mas de uma responsabilidade mais apropriada àquilo que Grotius chamava de direito de guerra.

Que contribuição pode dar, assim, a filosofia, e especialmente a filosofia moderna, para a consideração racional ou ética da responsabilidade nas relações de família? Diria que uma contribuição precisa e espantosamente necessária hoje em dia: a reflexão sobre o sentido, nas relações de família, dos laços afetivos como laços inquebrantáveis apesar do próprio desaparecimento dos modelos tradicionais de família.

O que torna esses laços inquebrantáveis é mais que o fracasso ou a natureza nefasta dos laços de poder e dominação, quando estes infestam a concepção que uma família pode ter de si própria. Os laços afetivos são inquebrantáveis porque, como mostrava já Pufendorf, sempre estiveram na origem das relações de família, porque ela é o lugar natural dessa prática da identidade entre os seus integrantes.

Seria, posteriormente, a excessiva carga institucional dada às relações familiares que voltaria a dificultar a compreensão da família como campo de liberdade coletiva; mas, como o desejo de identidade e união é mais forte do que o desejo de dominação e disputa, nenhuma autoridade ou responsabilidade fora desse interesse exclusivo na proteção e na formação dos filhos pode ser verdadeiramente válido.

É isso, principalmente, o que os modernos nos mostram a respeito da responsabilidade nas relações de família: elas só são legítimas enquanto se concentram no interesse pela formação e pela liberdade dos filhos.

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